Cantando os hinos pelas Copas do Mundo

. 17 junho 2014

Fui ao HD da minha memória e resgatei essa: “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração[...] Todos unidos na mesma emoção tudo é um só coração/ Todos juntos vamos/ Pra frente Brasil/Salve a seleção”. Bem, quem alcançou a Copa de 70, embora vivêssemos um período cinzento no tapete da ditadura militar entre bombas, fumaças, torturas, guerrilhas, já vai sacar que se trata de um hino de louvor ao mundial. Era ufanista, mas todo radinho de pilha insistia em tocar a canção feita por Miguel Gustavo.  

Na mesma memória, um salto de 15 anos, e consegui lembrar de outro: Gal Costa cantado sempre afinada na copa de 1986 quando fomos derrotado:  Ô, ô, ô,ô, ô,ô,ô,ô / Um grito novo a torcida uniu/ 70 neles, 70 neles/ 70 neles outra vez Brasil”.

Seleção Brasileira de 1970
Entre hinos memorizados ou esquecidos, a história  reforça  que, desde a década de 30, as Copas ganharam versões musicais bem animadas, quase sempre em ritmo de marchinhas. Muitos dos compositores do cancioneiro nacional, a exemplo de Ary Barroso que era radialista e locutor esportivo, deram sua contribuição nos legando ao menos refrão gravados na memória popular. Em 1938, Carmen Miranda, com ou sem bananas na cabeça,  inaugurou a relação  deu o ponto de partida na linhagem da música e Copa no Brasil. Gravou, então, a marchinha Paris, em homenagem ao mundial da França. “Paris Paris! Teu rio é o rio sena/ Paris Paris!/ Tens loura, mas, não tem morena/ Que lindas mulheres de olho azuis! Tu és a cidade Luz.

Em 1950, o autor de Aquarela do Brasil, o mineiro Ary Barroso devoto da “santa Bahia”, fez um sambão: “O Brasil há de ganhar, há de se glorificar/Bota a pelota no gramado/Palmas pro selecionado/Deixa a moçada se espalhar”. A coisa pegou mesmo em 1858. Ali, o país carregava a vitória na Suécia e quatro publicitários fizeram: “A Taça do mundo é nossa/ Com brasileiro não há quem possa”. Foi sucesso carnavalesco e embalou o bicampeonato em 1962.  

E de repente chegamos a 1982. A terra do futebol e carnaval engatinhava com as surpresas da reabertura política e a sonhada campanha pelas Diretas Já.  A cena esportiva era dominada por Zico, Sócrates e cia. Os versos “Voa Canarinho, voa /Mostra pra esse povo que é o rei”(Povo feliz),  foi embalada pela voz do lateral Júnior.


Chegamos à Copa de 94 com uma euforia absoluta.  Euforia que abocanhou a taça. A taça que nosso povo ostentou com festa. Composição de Tavito e Aldir Blac, a Aeroband e o cantor Paulo Henrique fizeram a nação esbravejar: Eu sei que vou/ Vou do jeito que sei/ De gol em gol/ Com direito a replay”, que ainda hoje ganha vinhetas na televisão dos Marinhos.

Por falar em festa, a zueira rolou mesmo em 2002, quando a seleção dos Ronaldinhos trouxe para casa o título do Penta. Sim a poderosa baiana Ivete Sangalo também entrou em campo: multiplicou seu poder carismático, midiático e financeiro com  Festa(Anderson Cunha): “Que vai rola a festa/Vai rolar!/O povo do gueto mandou avisar.../”  

E eis que estamos mais uma vez vivenciando a euforia verde e amarela com a Seleção de Felipão. De Neymar e sua mutação capilar. Para esta temporada, o baiano Carlinhos Brown mergulhou na sua criatividade ao participar da trilha oficial com Shakira (La la la ) e Sérgio Mendes (One Nation). 

Não sei o porquê dos hinos não virarem chiclete na ponta da língua do brasileiro com o mesmo nacionalismo do passado.  O que pega mesmo são roupas, adereços, fantasias, perucas...ah e as caras e bocas coloridas nas arquibancadas. Em campo, os craques até arriscam coreografias, gestos inusitados ou não e fazem a festa da torcida. Neste ano, o Cd oficial da Copa do Mundo traz Cláudia Leitte, Pitbull e Jennifer Lopez cantando um hino de gemidos, como se a Copa fosse uma sinfonia de sexualidade.

A cada vitória vale se divertir com canções animadas de sucesso da temporada que não se encaixam nos critérios de hino. Um pouco de Lepo Lepo, quem sabe!  Não importa. Mas queremos saber: Que tipo de hino faz nossa seleção ganhar? No próximo mundial, daqui a quatro anos, de qual hino vamos nos lembrar? E se inventarem de compor um arrocha? Bem, se a seleção arrochar...

P.S: Há outros hinos e canções que fazem parte da memória das Copas, mas precisaria de um novo artigo.

Por Emanuel Andre é jornalista,  professor, editor do Multiciência e escritor.