Paulinho Boca mapeia história da música na Bahia construindo pontes entre movimentos

. 08 junho 2014

De Xisto Bahia a Assis Valente. De Dorival Caymmi a Antônio Carlos e Jocafi. De João Gilberto aos tropicalistas. De Raul Seixas aos seguidores do movimento  axé-music, com pitadas de sons dos grupos afros, até se esbarrar nos fenômenos de popularidade que deságuam na maré do pagode e do arrocha. A memória da música brasileira pode até estar desarrumada, mas a da música baiana ganha reforço historiográfico com o projeto do cantor e compositor Paulinho Boca de Cantor  - um dos mentores do grupo Novos Baianos, formado nos anos 70,  ao  lado de Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Galvão e Baby do Brasil.




Desde o início de maio, Paulinho tem percorrido a capital e cidades do interior para mostrar às novas gerações o projeto Um olhar sobre a história da música na Bahia, com realização dos Espaços Culturais (Secult) e Secretaria de Cultura da Bahia. Na última sexta-feira (6), o show aportou no Centro de Cultura João Gilberto, em Juazeiro, dentro do IV Festival de Arte e Cultura- Território do Sertão do São Francisco. O show atraiu a curiosidade de um público heterogêneo de diversas gerações que cantaram  junto com o artista sucessos que já atravessam mais de meio século e canções que ainda repercutem nas emissoras de rádio.

No calor da emoção, houve improviso de grupos que se jogaram na frente do palco para mostrar como se dança do samba de roda aos outros ritmos que transitam o roteiro do show. “Esse é meu olhar sobre a produção musical baiana, sua diversidade, a pluralidade de sons e de ritmos, seus momentos relevantes, movimentos marcantes canções que marcaram  essa trajetória de sucesso, o pioneirismo e a presença constante da Bahia na cena musical”, explica Boca.  

No repertório bem alinhado, Paulinho costura o pioneirismo de Xisto Bahia com Isto é bom,  puxa a mestria de Josué de Barros com as crônicas musicais de Assis Valente (Brasil Pandeiro) e Dorival Caymmi (Saudades de Itapuã e da Bahia), ao mesmo tempo que as imagens desses autores vão surgindo cronologicamente num telão. O público vai ao delírio quando chega o capítulo Bossa Nova. É ai que Paulinho faz seguidas reverências a João Gilberto, filho da terra, de quem relembra clássicos com aura e batidas modernas como Bim Bom e Oba Lalá.


Gordurinha e Riachão entram em cena com Baiano burro nasce morto e Cada macaco no seu galho, até que o tradicional samba estilizado que também teve seu auge na criatividade sempre relembrada de Batatinha (Hora da Razão), Antônio Carlos e Jocafi (Você abusou), entre outros autores que foram consagrados principalmente pela voz de interiores como Alcione e Clara Nunes.



O final dos anos 60 e o nervosismo social dos tempos de censura ganham força no espetáculo quando Paulinho pede aplausos para Tropicália de Caetano, Gil e Tom, Zé, e sai emendando hits politizados: Alegria, Alegria, Soy loco por ti América,  São, São Paulo  e Bat Macumba. A culminante emoção do artista se torna perceptível quando chega a vez do pós-tropicalismo dos Novos Baianos – liderados por um grupo de cabeludos que projetaram uma nova forma de fazer música alegre, ou seja, um misto de tudo que antecedeu o espetáculo, mas com novas canções e linguagem criativa que  atraiu até a curiosidade de João Gilberto.

“Chegou a minha vez e de meus parceiros, não foi fácil, mas vencemos uma batalha por amor à música e à liberdade de expressão”, esbravejou já com o pé no rock Brasil de Raul Seixas, amigo lembrado na balada Maluco Beleza. O show abre a cena para o samba de Roda perpetuado pelas canções de Walter Queiroz (Filho da Bahia) e Jorge Portugal/Roberto Mendes (Amor de matar), ligando-os ao toque ijexá de Edil Pacheco e Gerônimo,  ao forró do baiano  Vicente Barreto em Morena Tropicana, feita em parceria do pernambucano Alceu Valença.

Na reta final, o axé-music e o carnaval eletrizado se fundem numa festa que coloca na panela efervescente  hits que batizaram nomes como Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Luiz Caldas, Harmonia do Samba e Olodum. A história cantada da MPB baiana não podia terminar de outra forma senão com o clássico Chame Gente – de Armadinho e Moraes Moreira. Sim, porque a música baiana chamou e continua chamando o Brasil.

Por Emanuel Andrade