"Viver de arte é o mesmo que fazer manobras no precipício"

. 13 julho 2014

Os palcos da vida o batizaram de Lirinha. Mas em seu registro consta José Paes de Lira Filho. Ex-lider da banda Cordel de Fogo Encantado, ainda garoto Lirinha começou a respirar poesia nos quatro cantos do Sertão. Afinal, nasceu em Arcoverde, considerada portão de entrada do Sertão para quem chega da capital Recife. Desde muito cedo, freqüentava rodas de recitais e “pelejas” dos cantadores e violeiros que aconteciam na fazenda de seu avô. Não teve como fugir desse antro de criação. Recentemente, Lirinha esteve se apresentando em Petrolina e concedeu entrevista aos jornalistas Emanuel Andrade e Jota Menezes para o Multiciência, com produção de Crísia Cáren Carvalho. Entre outros assuntos, falou sobre sua trajetória, a saída do Cordel de Fogo e a carreira solo que vem conduzindo a partir do primeiro disco solo Lira. Ele também lançou seu primeiro livro "Mercadorias e Futuro". Segue a conversa:
MULTICIÊNCIA- Discutir poesia no Sertão é fortalecer os laços com suas origens e com a sociedade?
LIRINHA- Conversar sobre poesia no Sertão é delicadíssimo, porque a poesia aqui é vivenciada, não está apenas nos livros nem nos documentos dos pesquisadores. Aqui, respiramos poesia que está na rua, vivida pelas pessoas no seu dia a dia. Sempre tenho cuidado ao discutir teoricamente o que faz parte do jeito de ser das pessoas que moram aqui.
M- Qual a sua percepção diante a riqueza da poesia do Nordeste?
L- Percebo que todos os símbolos que representam o Nordeste e os símbolos mais tradicionais usados pela imprensa fazem parte de um processo de dominação que o Nordeste ainda vive. É uma região que sofre muito com a indústria da seca, pois existem forças muito organizadas e antigas que tentam de alguma forma manter essa região num lugar de submissão. A gente começa a perceber que isso tudo é uma grande mentira, é uma invenção porque a nossa região é próspera, mesmo superando as dificuldades reais que são os governantes e toda essa aparelhagem política de manutenção de um esquema que tenta limitar o Nordeste.
M- Como a poesia chegou na infância de Lirinha lá em Arcoverde?
L- Na minha convivência com meus amigos era algo estranho. Lembro que os colegas se espantavam porque eu gostava de declamar versos de vários autores, era algo muito diferente para o universo de minha turma. A minha relação com a cantoria e a poesia desde criança tem muito a ver com a minha família que sempre teve pessoas que também declamavam. Assim fui encontrando esses poemas em algum instante da minha vida. Ai chegavam os livros, o cordel, a genialidade de Chico Pedrosa.. e fui captando toda essa informação.
M- E a escola também influenciou?
L- Havia professores que me influenciaram positivamente e me incentivaram principalmente os de português e história que passaram por minha vida. Tive grandes professores de português em Arcoverde. Tive um que sempre me chamava para recitar poesia. Não posso esquecer de que a escola cruzou essa minha descoberta.
M- Quando começou a nascer o poeta Lirinha?
L- Comecei com 12 anos de idade, quando fiz um participação numa cantoria de viola no sítio do meu avô. Foi uma cantoria com Ivanildo Vila Nova e João Paraibano. Nesse dia, recitei um poema de Patativa do Assaré. No intervalo, me convidaram para um Congresso de Cantadores do Recife, que se traduzia como um retorno de uma tradição que havia sido paralisado por conta de problemas políticos do país. Quando Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco) voltou em 1986, no ano seguinte o congresso voltou a acontecer. Foi muito importante para a história da cantoria de viola. Bem, eu estava ali iniciando meu processo de viagens poéticas e nunca mais parei.
M- Mais adiante Lirinha desponta nacionalmente na trajetória do Cordel de Fogo Encantado. Fale sobre essa experiência que uniu música com poesia. Por que chegou ao fim?
L- A relação que o Cordel estabeleceu com o público foi uma surpresa para todo mundo envolvido no projeto. A gente começou como um espetáculo de teatro, sendo que a ideia era juntar a minha experiência com poesia dentro de uma concepção cênica. Eu participava de um grupo de teatro em Arcoverde e estava muito envolvido com essa ideia de encenação. Partimos da ideia de fazer um espetáculo nesse contexto focando versos e passes de músicas, incluindo recital sobre a execução da música. Foi nesse momento que a gente começou a compor uma música que não existia e começamos a trabalhar essa novidade que foi entrando cada vez mais no espetáculo, assumindo uma posição de importância. O final se deu por muitos fatores partindo da individualidade de cada um.
M- E o estouro se deu mesmo em pleno carnaval?
L - Foi em 1999, quando fomos convidado para fazer uma apresentação em Recife durante o carnaval, dentro do projeto Rec Beat. Quando fizemos a apresentação, a imprensa que estava cobrindo já estava muito curiosa para saber quem era essa banda de onde vinha. Ainda não tínhamos nem definido o nome da banda exatamente. O nome do espetáculo foi para o nome da banda e começamos essa trajetória que a princípio foi rápida. Foram três discos e um Dvd, além de algumas turnês Europeias e no México.
M- Agora, você caminha no horizonte da carreira solo. Como está sendo?
L- Em 2010, anunciei minha saída do Cordel e iniciei o processo de composição do meu primeiro disco solo que se chama Lira. Já terminei a turnê de divulgação desse projeto e estou na composição do meu segundo disco solo. Tenho uma ideia de que a arte tem que ser vivida com - alta e forte - liberdade. Meu conceito de pessoa capaz de fazer e viver de arte é o de sempre estar fazendo manobras no precipício. Quero da minha existência essa liberdade. Na banda, participei da criação do nome e sou compositor de todas as músicas gravadas de todas as letras e de boa parte das melodias. Circulei muito pelo país e, em um certo momento, quis me dar um trabalho de uma outra coisa. Aí,  tinha uma vontade muito grande como compositor e como intérprete de experimentar uma composição em que eu tivesse mais sons harmônicos
M- Como você define a proposta do Lira?
L- Gosto muito do disco, pois consegui chegar muito próximo do que tinha pensado. Sabendo que a música não é racionalista então a gente não dá para fazer do jeito que a gente raciocinou. Juntei um grupo de músicos de quem sou fã. Tem Pupilo da banda Nação Zumbi e que é produtor do disco. Conversei muito antes de ir para a prática sobre o jeito que eu queria. Tem também o Bactéria que eu conheci antes do surgimento do cordel e eu tive uma conversa com ele que me influencio muito no surgimento do cordel e também tem Neilton que é uma figura mítica na música pernambucana e que constrói seus próprios instrumentos. Esse time foi quem fez o Lira com o Lira. Fiz uma turnê e passei em todas as regiões do país.

M- Pra encerrar, como é seu processo de criação?
L- Não sei exatamente qual o impulso. O olho d’água que faz brotar isso vem das minha ilusões e desilusões. Procuro fazer uma arte que seja diversão e denúncia. Também não sou um carrasco da minha criação, então, me permito a surpresa. Escrevo de várias formas diferente e, às vezes, vem aquela música no meio da noite. Em outras ocasiões, levo dias e até meses para compor uma música.
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