Cartas no Cárcere: ex-detento publica livro com narrativas sobre a rotina na prisão

. 25 agosto 2014

 
                                                                                                                  Reportagem de Clêilma Silva
"Ali me vali escrevendo As cartas de um detento - baseado em fatos reais, o fruto do melhor que há em um ser”. O depoimento é de Marcos Santanna, ex-detento e escritor, nascido em Petrolina. Ele foi condenado a cumprir uma pena de prisão por quase três anos, em maio de 2010, em Jaguarari (BA). Foram exatos 936 dias até que recuperasse sua liberdade, em dezembro de 2012. O livro de estreia de Marcos Santana - ‘As Cartas de um detento’- conta sua história dentro do presídio em que resolveu dedicar-se à arte de escrever cartas para ele e para os outros detentos que não sabiam ler e escrever.
 
Nesse período, foram escritas mais de 1 mil cartas para os detentos. “Nessas cartas contava as lamentações, as problemáticas, saudades, angústias e sofrimentos deles vividas naquele ambiente. Escrevemos milhares de cartas. Em datas comemorativas como natal, réveillon, dia das mães, a gente chegava a escrever até 70 por dia”, conta o autor.

Para ele, o livro quebra preconceitos e mostra o lado bom do ser humano que apesar de ter cometido um crime, possui sentimentos, amores, saudades. “O livro tem um propósito. É para o bem, vai fazer bem a muita gente e vai mudar a história do sistema carcerário brasileiro, segundo alguns juristas”, explica Marcos ao narrar uma das histórias contadas no livro. Segundo o autor, há o caso de um interno que me pedia que eu escrevesse todos os domingo para os seus familiares. O personagem da vida real tinha 18 anos e foi sentenciado a cumprir mais 18 anos de prisão. Nesse intervalo de tempo, o jovem perdeu o pai, um irmão e um animal de estimação. Ele sentiu muito mais a perda de seu animal de estimação do que a do próprio pai e irmão. A mãe não o visitava, nem a esposa e muito menos a filha também não. Só duas irmãs que iam vê-lo esporadicamente. Nas cartas, ele descortinava todos os anseios vividos naquele ambiente.

“Certo dia, ele foi ao serviço social e eu estava escrevendo uma carta, ele saiu e eu observei que naquele cantinho dos seus pertences existia uma caixa artesanal, feita de palitos de picolé, lá dentro do presídio. Eu era responsável pelo setor de artesanato, achei a caixinha muito interessante, peguei, quando abri, me deparei com todas as cartas que havia escrito. Ele nunca mandou as cartas pra ninguém. Não sei se lhe faltou coragem. Mesmo assim continuei a escrever as cartas todas as semanas”, relatou.
Marcos ressaltou ainda que temas da atualidade, como gravidez na adolescência, aborto, suicídio, homicídio e tráfico de drogas, são abordados nas cartas. “É importante que os outros saibam o que se passa dentro de três paredes e uma grade. Já quebramos o paradigma de que são quatro paredes, são apenas três. A gente sentiu que há necessidade de tornar públicas essas histórias marcantes para que as pessoas que estão de fora do sistema carcerário brasileiro saibam como vivem os que estão confinados”, frisou.
O livro de 17 capítulos e 229 páginas foi vencedor do Calendário das Artes, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. O autor se vale de depoimentos de presidiários, mesclando com a ficção. Segundo Marco Santanna é impossível descrever a sensação do período vivido dentro do presidio. “As cartas de um detento é um grito de alerta pela humanização do sistema penitenciário, por um cárcere mais cidadão. O livro tem o propósito de ajudar a debater a problemática da questão penitenciária, colocar o presidiário como protagonista na luta por um sistema de execução penal mais justo e mais humano”, ressaltou.
Cartas de um Detento também mostra que, se no mundo de liberdade escrever cartas é algo retrógrado, numa era de contínuo avanço tecnológico com adesão de e-mails e redes sociais, por trás das grades, lápis e papel são o único meio de expor, quem sabe, os sentimentos e os recados para quem está no horizonte da liberdade.