Por volta dos anos 70 e 80, era muito comum se ouvir nas
emissoras de rádio principalmente do Norte e Nordeste, canções de duplo
sentido, com nomes e letras cheio de pitadas de humor. Milho cru, Gozar a vida,
O gato da Rosinha, Picada de Barbeiro, Na lua vai ser assim, O modo de
usar (Só capim, canela), A velha debaixo da cama e Vitamina D, são alguns
exemplos. Todas elas assinadas na voz do cantor e sanfoneiro José Nilton Veras,
que foi batizado pelo nome artístico Zenilton. Depois de meio século morando em
São Paulo, o artista já fez o caminho de volta para casa: Salgueiro, no Sertão
Central, onde além de continuar tocando e compondo, abraçou a arte de
confeccionar gaiolas e cultivar diversas espécies de frutíferas no jardim de
sua casa ao pé da Serra do Cruzeiro, um dos cartões postais da cidade
sertaneja, a 518 quilômetros do Recife.
Quando saiu do sertão ainda jovem para tentar a sorte no
'sul maravilha', a primeira parada foi o Rio de janeiro, por influência
de amigos e das rádios. "Precisava de contatos com os nordestinos que já
estavam lá como Zé Gonzaga, Marinêz e Luiz Gonzaga. Por intermédio deles fui
entrando de vagarinho. Mas a carreira se consolidou mesmo em São Paulo, onde
morei por mais tempo, o resto foi pelo mundo a fora", diz Zenilton que
gravou 42 LPs, contabilizando cerca de 650 músicas, a maioria registrada pelos
selos Copacabana, Chantecler e CBS.
No auge da carreira quando rodava o Brasil, o cantor foi
convidado até para mostrar seu talento na Venezuela. "O povo de lá é tudo
doido por sanfona e xamego, pode juntar paraguaios, venezuelanos e argentinos
pra ver a bagaceira", conta. Nessa fase, Zenilton já tinha feito shows em
eventos ao lado de Ângela Maria (na inauguração do viaduto do Gasômetro, em São
Paulo), Altemar Dutra, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Adolfo Alves e
Raul Gil. Segundo o artista, nesse tempo não era forró, como sempre
batizavam. "Tinha baião, frevo, samba canção e até maracatu pernambucano
dos bons", lembra.
Quando ia fazer shows, o repertório estava sempre
recheado de canções do rei do baião Luiz Gonzaga. "Uma vez Gonzagão por
quem tinha muito respeito, pediu que eu decidisse por um estilo. "Fizemos
muitos shows em circo e em um grande evento numa fazenda só cantei músicas dele
no espaço lotado. Quando acabei o show, ele me deu uns tapas porque tinha
cantado os clássicos dele. Foi quando decidi pelo meu estilo com apoio do
Rei", conta Zenilton.
Trabalhar músicas de duplo sentido na época, era o
"que dava pé", vendia bastante.Só que tinha de ter cuidado pra não
levar as tesouradas da censura, justo dos militares. "Fui o que mais
vendeu o velho LP pelo selo Copabacana, porque as canções de humor caiam no
gosto popular tendo Genival Lacerda como anfitrião", diz. Na sua
trajetória, Zenilton também se diz o rei da vaquejada por ter gravado um disco
do gênero no começo dos anos 60. Com todo esse perfil, já no final dos anos 90,
foi surpreendido pelo convite dos integrantes de Os Raimundos que queriam que
ele participasse de um disco da banda de rock.
"Eles queriam gravar uma música minha no gênero
deles. Aí liberei uma das mais estouradas, Rio das Pedras. Foi muito bom
, uma boa baderna e eu lá matuto metido no rock", brinca Zenilton. Só que
ele diz que pra onde fora não pode deixar seus instrumentos que é sua banda.
"A sanfona é a minha alegria, é aqui que desabafo minhas tristezas, os
problemas que aparece. É minha casa, meu salário, meu carro pra passear, eu
gosto tanto d’ela que dorme comigo, é minha mulher, é tudo", diz.
Canção de Protesto ao som de sanfona
Falar dos problemas políticos do país nem sempre foi a
praia de Zenilton. Depois que se instalou no pé da Serra em sua terra natal,
decidiu por sossego. Mas de tanto ver os telejornais, se irritou e acabou
buscando inspiração para compor uma sátira, como ele diz, numa
"desomenagem", uma canção de protesto aos escândalos recentes e
compôs os Ladrões da Petrobrás.
Com apoio do primo, guitarrista da banda Quarto B,
Fabiano Veras, produziu um vídeoclip da canção e despachou na internet que já
ganhou milhares de acessos. "Essa música nasceu de uma tacada só, não dá
pra gente ficar calado. O compositor é a antena da raça das coisas ao seu
redor. Não mais pra engolir esse lamaçal. E olhe que estou longe de Brasília,
na poesia do sertão, mas não resisti em denunciar também através da música. O
Brasil precisa se aprumar antes que se acabe". Na vida sertaneja que
abraçou, não tem mais pressa. Longe da Selva de Pedra de São Paulo, vive da
natureza da caatinga, faz shows quando descola contratos e vai embolsando seus
direitos autorais.
"O que aparecer, caiu na rede e é peixe. Tudo
aconteceu como pedi a Deus, foi ate demais. Se fosse pra recomeçar faria tudo
de novo, mas não ia arrancar dentes do povo como pai queria que eu seguisse a
carreira dele", completa.
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Letra
Os Ladrões da Petrobrás
"Quem roubou , roubou, não devolve mais
Pra
onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)
Tá
na Suíça depositado?
Tá
no Japão? Tá bem guardado
E
o desonesto, tá sossegado
Esse
dinheiro ninguém vê mais
Os
ladrões roubaram todo dinheiro da PETROBRAS
Quem roubou , roubou, não devolve mais
Pra
onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)
O
INSS faz tempo que está quebrado
Está
passando fome o aposentado
O
homem desonesto não tem razão
E
diz pra todo mundo que é cidadão
Ladrão
que rouba ladrão tem 100 anos de perdão
Quem
roubou, roubou, não devolve mais
Pra
onde foi o dinheiro roubado da PETROBRAS (BIS)"
Por Emanuel Andrade/ Produção de Taiza Felisberto
Fotos: Fabiano Veras