Jogos virtuais permitem interação com o espaço urbano

Multiciência 05 dezembro 2016
Ao caminhar pelas praças e parques, você já deve ter visto alguém concentrado na tela de um smartphone interagindo com um personagem de um jogo virtual. Pode ser a busca por bichinhos virtuais, como Pokémons, ou se deslocando por bairros na cidade à procura de pontos que liberam dicas em áudio ou imagem para responder a enigmas e palavras cruzadas.

Para o Doutor em Comunicação e professor do curso de Jornalismo em Multimeios, da Universidade do Estado da Bahia, Luis Adolfo de Paiva Andrade, esse tipo de comportamento é motivado pelos jogos de realidade alternativa (alternative reality games), também chamados de jogos locativos ou pervasivos, que permitem a interação entre o personagem de um jogo, o usuário e o espaço urbano. Além de ser uma prática educativa que envolve aprendizado, é também uma das diversões dos apaixonados por games.
Foto: Ilana Yngrid
Em entrevista à Agência MultiCiência, Luiz Adolfo esclarece como as experiências com games podem ser aplicadas no ensino, aponta desafios como os editais para financiamento público para desenvolvimento de games e aborda novas perspectivas dos jogos aplicados ao jornalismo. “Existe uma categoria chamada newsgame, que são jogos feitos com base em notícias, uma categoria diretamente ligada ao jornalismo. Esse é um dos caminhos, são os jogos que se aproveitam de um fato divulgado na mídia, como o do Ronaldo, com um problema de peso”, afirma Andrade.


MultiCiência: Qual a especificidade dos jogos pervasivos ou locativos relacionados aos de primeira geração, que foram os primeiros a serem desenvolvidos?
Luiz Adolfo: A minha classificação de games são de dois tipos. São os jogos que eu chamo de videogames, quando o jogo acontece no monitor, e eu uso o espaço para pensar esses jogos. O espaço não interfere em nada na disputa. O usuário pode, inclusive, jogar em qualquer espaço, isso não altera. É possível, durante o jogo, trocar de espaço e não ter problema nenhum, são os videogames, dentro dos jogos digitais. E os outros são os jogos locativos, exatamente a especificidade dele. O espaço que você escolhe para jogar tem que permanecer o mesmo. Então, se eu estou com o Pokémon Go ligado, pegando pokémons, e no meio dessa briga eu quiser parar e escolher outro espaço para jogar,  perco totalmente o progresso que estava tendo ali. No caso do videogame, não, eu aperto o botão de pausa e posso mudar de lugar.

MultiCiência: Diante da possibilidade que as pessoas têm de interagir entre o espaço virtual e a cidade através dos jogos locativos, quais mudanças de comportamento podem ser percebidas numa comunidade na sociedade?
Luiz Adolfo: Às vezes, percebemos que alguém está agindo de maneira estranha, no sentido de ficar apontando o celular para as coisas e olhando, e verificamos que ele está jogando. Ficava jogando na Praça da Misericórdia, em Juazeiro, caçando fantasmas, com um jogo de caça fantasmas e as pessoas me viam com o celular para cima e pra baixo. Acho que é importante ter consciência de que a gente está se deslocando no espaço, que a dinâmica do espaço interfere no jogo. A gente teve um caso de um cara que foi atropelado por um ônibus, mas não foi o jogo que fez isso, ele que não prestou atenção.

MultiCiência: Educadores têm estimulado o uso dos jogos nas escolas. De que forma eles podem contribuir como ferramenta de ensino?
Luiz Adolfo: O jogo por si só já implica num tipo de aprendizado, você tem que aprender as regras, para jogar. Dessa forma, o jogo sempre vai estar relacionado a um tipo de aprendizado. Então, se a gente está falando de educação, falamos de aprendizado, se a gente fala de jogo a gente fala de aprendizado.

Foto: Ilana Yngrid
MultiCiência: Ainda existe resistência para incluir os jogos como uma prática de ensino? O que falta nas escolas para usar os jogos de forma apropriada?
Luiz Adolfo: Não acho que exista resistência. Existem professores que não são preparados, não entendem, não mergulham no objeto e a função mais fácil que eles encontram é impedir que o jogo seja utilizado em sala de aula. A gente vê isso, por exemplo, com os celulares. Existem professores que às vezes não têm o mesmo conhecimento do aparelho que o aluno. Então, para ele é muito mais fácil falar que é proibido entrar com o celular, ao invés de tentar usá-lo como ferramenta dentro da sala de aula.

MultiCiência.  O Senhor realizou um jogo relacionado aos acontecimentos da história da Bahia, que foram aprovados em editais públicos. Como avalia que o Estado e/ou secretarias de educação têm buscado desenvolver projetos que estimulem o uso dos jogos em sala de aula?
Luiz Adolfo: Fiz o jogo A Fórmula do Conhecimento, patrocinado pelo Centro Universitário Jorge Amado – UNIJORGE, em 2009, que ganhou prêmio de melhor jogo daquele ano em Salvador; e, em 2011, o Capitães de Areia, com recursos do Faz Cultura e da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), sobre centenário de Jorge Amado. Ano passado, fiz o GPS coquetel musical em Petrolina - PE, que foi premiado entre os cinco melhores jogos do Brasil ano passado. Acho que a Bahia, diferente de outros estados, tem uma abertura muito grande para editais pra fazer jogos. O estado investe muito em jogos. Ano passado, segundo levantamento de pesquisas que fiz, a Bahia foi o estado que mais produziu jogos em 2015. Aqui, tem um potencial enorme, porém, existem algumas burocracias. Falta pessoal da área de games para pensar os editais. Hoje os editais são pensados por pessoas de cinema, produção cultural, mas ninguém na área de games. Então você encontra algumas ocasiões que são absurdas. Houve edital que disponibilizou 1 milhão e meio para fazer jogos, só que as condições não são boas. Um exemplo, é o funcionário público não poder concorrer a editais de órgãos como a Secult, tanto que nesse edital ninguém concorreu. Então, falta isso, têm as políticas, iniciativas e recursos, o que falta é deixar a gestão desses recursos na mão de pessoas acostumadas com games.


MultiCiência: O Senhor é design de jogos e tem se dedicado aos estudos de jogos, quais são os seus projetos atuais?
Luiz Adolfo: Trabalhei com todos os tipos de jogos que você possa imaginar, mas atualmente trabalho com jogos locativos, criados com mídias locativas. A diversão desse jogo é que ele é utilizado com tablets e celulares, com as funções georreferenciadas nesses equipamentos, e ele nos obriga a se deslocar pelo espaço físico enquanto joga. Atualmente, pretendo entender a relação dos jogos digitais com o espaço geográfico. A área de games está crescendo muito. A UNEB tem o curso Tecnólogo em Desenvolvimento de Jogos Digitais cuja primeira turma começará em 2017.1 pelo Sistema de Seleção Unificada  (SISU).  É um mercado hoje que movimenta muito dinheiro no Brasil. No mundo, a primeira indústria que mais vende é a bélica, a segunda é automobilística, e a terceira é a de games [dados do instituto SuperData indicam que o mercado de games movimentou US$ 65 bilhões em2015].

MultiCiencia: Quais as mudanças mais significativas ocorreram e o que esperar do futuro nessa área?
Luiz Adolfo: Sinto que daqui a pouco vai começar a esgotar as possibilidades de criação dos jogos locativos. É possível que esses games acompanhem o paradigma computacional que está em vigência. Hoje, a computação ubíqua, que consiste na associação de um usuário a várias máquinas, é um meio de disseminar computadores no ambiente. Os computadores seriam menos visíveis, porém mais presentes em nossa vida, como: porta que a gente se aproxima e ela abre sozinha; um ar condicionado que a gente chega e ele liga; o smartphone que é um telefone com funções muito ampliadas; um tablet; rede sem fio, como wi-fi. Vários jogos surgiram acompanhando a computação pessoal, mas agora surgiram os jogos locativos que acompanham a computação ubíqua. Desde que haja paradigma computacional, vão surgir novos jogos para ele. Ainda não posso te dizer qual é esse paradigma, a ideia é que a gente use a computação ubíqua, segundo o que tenho acompanhado pelo menos até 2030. A partir daí, poderá ter um novo modelo, talvez a brain computer – conexão de cérebro com as máquinas – seja um caminho.

MultiCiência. O Senhor foi aprovado para fazer um pós-doutorado em Copenhague. Entre os seus projetos nessa pesquisa, poderemos esperar novos produtos voltados à realidade regional?
Luiz Adolfo: A partir dessa relação entre jogos e espaço geográfico, vou investigar como eles podem contribuir para a otimização da vida urbana, ou seja, ajudando a gente a solucionar alguns problemas de mobilidade, violência urbana, o próprio assoreamento do rio são Francisco. Entre os jogos locativos, os mais populares são o Pokémon GO, o Ingress que é um jogo da Google, e vários outros. Tenho uma ideia de fazer uma adaptação do Pokémon Go aqui para a região, seria algo tipo Velho Chico Go, mas é apenas uma ideia inicial. No ano passado, foi premiado o GPS Coquetel musical, que desenvolvi em Petrolina. Pretendo fazer algo novo, principalmente voltado para a questão do rio, questão hídrica.

MultiCiência: De que forma os jornalistas e estudantes podem se apropriar dos jogos na prática do jornalismo? Quais as tendências?
Luiz Adolfo: Existe uma categoria, chamada newsgame, que são jogos feitos com base em notícias, uma categoria diretamente ligada ao jornalismo. Recentemente, participei da banca de doutorado associada a essa temática, intitulada "Newsgame e Aprendizagem: possibilidades de construção de conhecimento a partir da interação com jogos digitais", da professora Janaína Nunes, da Universidade Federal de Juiz Federal (UFJF), em Minas Gerais. Esse é um dos caminhos, são os jogos que se aproveitam de um fato jornalístico, como o do Ronaldo com um problema de peso, o do José Serra quando ele tomou uma bolada de papel, das eleições presidenciais nos Estados unidos, são vários jogos surgindo dessa temática. Isso é claramente uma aplicação do jornalismo no mundo dos games.

MultiCiência: Como você entende os novos ambientes de convergência midiática para atuação do jornalista?
Luiz Adolfo: É o futuro da profissão. Esse mercado que a gente pensa só rádio, TV, impresso, já está mais do que saturado. Então, temos que pensar nos novos ambientes, pensar no jornalista enquanto self employed, enquanto prestador de serviço, não um profissional vinculado a uma mídia, mas um profissional capaz de atender várias demandas de serviço. A gente precisa oferecer os nossos serviços para as empresas e tentar crescer.

Reportagem de Andressa Silva
Fotos: Ilana Ingrid