Os estudos de midiatização começaram
com pesquisadores das Ciências Sociais analisando a influência da mídia na vida
social. No contexto latino-americano, Jesús Martín-Barbero, García Canclini e
Guilherme Orozco ampliaram as pesquisas a partir do conceito de mediações
culturais e a relação da comunicação centralizada na cultura. No Brasil,
pesquisadores como o professor da Universidade de São Paulo (USP), Eneus
Trindade, se dedica a estudar a midiatização em um paralelo com mediações
culturais com ênfase nos estudos sobre as relações de consumo.
Nessa entrevista a ComSertões, o
professor analisa como as mídias estão presentes na vida cotidiana e como essa
presença transforma as dinâmicas socioculturais. Ele discute também a tendência
da publicidade em disseminar temas sociais com combate à opressão das minorias.
Para Eneus, o consumo pode ser um lugar de inclusão, de tolerância e de
respeito à diversidade na sociedade.
Com sólida formação acadêmica em Comunicação pela USP, Eneus é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e defende que as universidades públicas invistam na institucionalização da pesquisa, incentivando parceria entre centros de excelências e universidades de todo país. O professor participa do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional em Comunicação (Dinter), parceria da USP e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e tem visitado a região do Vale do São Francisco para socializar os seus estudos com doutorandos em comunicação, estudantes e professores de Jornalismo em Multimeios e Pedagogia, da Universidade do Estado da Bahia, campus Juazeiro.
Com sólida formação acadêmica em Comunicação pela USP, Eneus é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e defende que as universidades públicas invistam na institucionalização da pesquisa, incentivando parceria entre centros de excelências e universidades de todo país. O professor participa do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional em Comunicação (Dinter), parceria da USP e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e tem visitado a região do Vale do São Francisco para socializar os seus estudos com doutorandos em comunicação, estudantes e professores de Jornalismo em Multimeios e Pedagogia, da Universidade do Estado da Bahia, campus Juazeiro.
MultiCiência: Professor, seus estudos estão relacionados ao tema midiatização e consumo. Como o conceito de midiatização tem sido analisado?
Eneus Trindade (ET): Estudo
a midiatização em um paralelo com mediações culturais com destaque às mediações
comunicacionais. A midiatização é o operador ou um mecanismo de difusão desses
aspectos da cultura via comunicação. A partir disso, entende-se que o consumo é
alterado pela midiatização de marcas, que funcionam com um elemento da mediação
cultural para identidade do indivíduo. Por isso, a relação mediações culturais
e midiatização, porque a marca operacionaliza uma dimensão de consumo
comunicativo e, ao mesmo tempo, materializa uma série de mediações culturais e
comunicacionais relacionadas à identidade do sujeito.
MultiCiência: Quais
mudanças surgiram nos estudos de midiatização da sua origem para os dias
atuais?
Eneus Trindade: A midiatização é
uma tendência fora do contexto brasileiro hegemonicamente, não que não exista
no Brasil, existem pesquisadores brasileiros trabalhando esse conceito. A
midiatização é um conceito contemporâneo das Ciências Sociais nos estudos de
mídia que procuram estudar a influência da mídia na vida social e nas
transformações sociais. Nos estudos de tradição latino-americana, existem as
mediações culturais propostas por autores como Martin Barbero, García Canclini
e Guilherme Orosco que trabalham perspectivas de entendimento da comunicação na
centralidade da cultura. Essa mediação reflete uma série de mediações culturais
e que explicam a constituição do indivíduo e o modo como as pessoas se
apropriam das realidades. É interessante entender que a midiatização é um
conceito amplo da presença da mídia na transformação social, mas as mediações
culturais procuram explicar de forma mais detalhada esse conceito e a tradição latino-americana
é mais adequada para nós.
MultiCiência: O
senhor tem realizado pesquisas relacionadas ao consumo e ao padrão alimentar. É
possível comprovar mudanças de hábitos de consumo a partir da influencia da
mídia?
Eneus Trindade: Quando estudamos
essa questão dos alimentos e das práticas alimentares, queríamos
identificar em que medida as tendências
se manifestavam como uma interferência na construção do sentido das marcas para
o estabelecimento de vínculo, a partir de tendências como conveniência,
facilidade, prazer, saúde, ética e sustentabilidade. Procuramos entender o que
é que acontece com essas tendências e percebemos que elas se apropriam, às
vezes combinando mais de uma delas.
Determina marca se apropria do discurso de saúde, mas a prática
alimentar não é adequada, não é saudável. Fica só na prática discursiva da
marca. Por outro lado, as pessoas querem ser sustentáveis e querem ser
saudáveis, mas consomem produtos industrializados e produtos processados.
MultiCiência: Além da questão do consumo, como o tema midiatização
tem estimulado novos estudos científicos e pesquisas universitárias?
Eneus Trindade: Com uma perspectiva
de valorizar o sujeito receptor e a sua relação de usos e consumos midiáticos,
isso tem sido muito importante e fundamental no empreendimento da midiatização
e no entendimento da comunicação como um processo sociocultural. Essa
contribuição cria uma preocupação com objetos da comunicação e não só estudar
comunicação relacionada a qualquer coisa perdendo de vista o objeto
comunicacional. A grande contribuição dessa perspectiva teórica é tentar
entender um lugar possível de compreensão do objeto comunicacional na sua
presença na vida social.
MultiCiência: Como
podemos perceber a influência da midiatização no cotidiano?
Eneus Trindade: É relevante perceber
como as mídias estão presentes na vida cotidiana e como essa presença transforma
as dinâmicas socioculturais. Essa é uma característica do conceito de
midiatização entender a presença da mídia e como essa presença transforma o
sentido da existência. Um exemplo é a interação interpessoal que acontecia por telefone
e hoje é substituída pelo whatsapp com os smartphones. Quase ninguém mais
telefona, então o smartphone quase não é usado para essa perspectiva e sim para
a interação através de aplicativos. Isso é uma transformação da cultura de relações
interpessoais e essa subutilização do telefone transforma os modos de interação
das pessoas.
MultiCiência: Muitas empresas têm construído campanhas midiáticas
com conteúdos alusivos a temáticas sociais, como homofobia, racismo, pautando
muitas vezes discussões na rede. Como entender essas tendências no mercado
publicitário?
Eneus Trindade: É preciso estudar
cada plataforma para entender isso, porque as marcas têm uma proposta de vinculação
com os consumidores. A empresa tem que estabelecer um vínculo de credibilidade
e de confiança. Não adianta ser um vínculo afetivo, deve ser um vínculo de
credibilidade e confiança com o consumidor. Esse tipo de credibilidade e de
confiança tem que permear todas as plataformas, só que essas plataformas não
agem na mesma intensidade. No twitter são 140 caracteres, ou seja, uma perspectiva
de interação com limite. A página do facebook pode ter outras características,
então dependendo da plataforma posso ter a possibilidade de criar esse vínculo
com maior ou menor intensidade em função dos artifícios técnicos que a
plataforma permite na interação.
MultiCiência: Como
entender esse tipo de consumo?
Eneus Trindade: É um consumo
responsável, ético e que busca lutar para agregar o consumo de mercadorias a
uma postura civilizatória que leva emancipação e a inclusão social. É lógico
que essa inclusão social pode ser associada ao consumo, a aquisição de produtos
passa ser a porta de entrada de aceitação do indivíduo. Logo, a interpretação
negativa que a gente pode ter dessas estratégias é que eu só vou aceitar o
negro, eu só vou aceitar o homossexual se ele for consumidor. Por outro lado,
consumir é uma condição da existência humana, a gente nasce para consumir. Então,
não podemos ser tão extremistas em dizer que o consumo não é um lugar de
inclusão. Mas junto com esse lugar de inclusão você tem que ter os aspectos de
tolerância e de respeito à diversidade na sociedade.
MultiCiência: Ao
mesmo tempo em que as empresas investem em campanhas sociais, muitas peças
publicitárias ainda reproduzem aquele modelo de associação da mulher como
objeto de desejo sexual, como campanhas de bebidas, algumas marcas de roupas.
Como publicitário e pesquisador da área o senhor identifica implicações éticas
nesse tipo de propaganda?
Eneus Trindade: Isso é um processo
civilizatório, enquanto houver preconceito existente na sociedade existirá a
publicidade que revela os estereótipos do preconceito, à medida que a publicidade
e a sociedade vão ganhando outro estatuto de processo civilizatório isso pode
ser combatido. Antigamente, o cigarro era recomendado para atenuar o estresse das
pessoas, hoje a propagando do cigarro é proibida. No futuro, todas essas
questões que consideramos antiéticas, mas que vem acontecendo estarão extintas
num lugar folclórico de lembrança de uma sociedade em uma outra etapa do
processo civilizatório. É preciso ver a evolução civilizatória da sociedade e o
que cabe e não cabe nessa sociedade. De repente, o movimento das mulheres vai
inviabilizar a representação delas de um modo machista no futuro. Agora, isso ainda
não acontece porque existe ainda a presença da cultura machista na mídia.
Enquanto houver essa presença, haverá quem faça publicidade nesses moldes.
MultiCiência: O senhor estudou na Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e é professor da USP, atualmente também participa do Dinter em
Comunicação, parceria entre a UNEB e USP, como o senhor analisa o crescimento
da pesquisa nas universidades da região nordeste?
Eneus Trindade: Houve uma grande
evolução. Quando eu saí para fazer o mestrado e o doutorado na USP, não existia
pesquisa na região apenas a graduação e hoje as universidades públicas do Nordeste
estão preocupadas com a pesquisa e estão surgindo programas de pós-graduação. A
UFPE onde estudei não tinha mestrado e doutorado em Comunicação e hoje já tem
um programa na área. Se me formasse hoje, não sairia de Recife. De um modo
geral, as pesquisas refletem temas importantes para o desenvolvimento das
regiões, portanto não há como comparar com as pesquisas de São Paulo. Os assuntos
discutidos em Recife, discutidos em Juazeiro são pertinentes à região. Não
posso dizer que a pesquisa realizada em São Paulo é superior a de outras
regiões. Talvez as universidades de São Paulo tenham uma tradição, tenham uma
prática de pesquisa consolidada, mais madura e isso coloque institucionalmente
a pesquisa em comunicação em um patamar superior. Mas percebo grandes avanços, tenho
grandes colegas interlocutores e não vejo com demérito as abordagens temáticas
ou o método. O que eu acho é que o Nordeste precisa lutar, cada vez mais, para
institucionalizar a pesquisa no ensino superior sobretudo as universidades públicas.
MultiCiência: A
região nordeste tem sido pautada pela mídia através de novelas como Velho Chico
e filmes que são produzidos na região, como esse processo de midiatização
contribui para construir novas referências sobre o Nordeste, que não seja a de
uma visão estigmatizada?
Eneus Trindade: O Nordeste vai
ganhando a sua midiatização a partir de seus conflitos locais na medida em que a
região tem aspectos que correspondem à dimensão do poder instituído, como
também possuem aspectos das condições de desigualdade, da miséria, pobreza e
esquecimento de uma população que vive o paradoxo de ter o desenvolvimento no
agronegócio, na produção de energia do país e, ao mesmo tempo, tem uma parte da
população esquecida ou alijada desse processo. A mídia ajuda a problematizar
isso, acho que inclusive as representações do Rio São Francisco e da sua região
são representações que traduzem na medida do possível essas polêmicas muito
melhor do que a representação hegemônica que se tem da politica na mídia.
MultiCiência: O
Senhor avalia que houve mudanças nesse discurso hegemônico?
Eneus Trindade: Existe um imaginário do
nordeste já consolidado, mas os produtos midiáticos têm mostrado que houve uma
mudança. Por exemplo, o filme cearense Boi Neon, do diretor Gabriel Mascaro, trabalha uma perspectiva do nordestino que não
quer migrar, mas que quer viver na região, porque houve mudanças. Há um novo
horizonte de representação das mídias sobre o Nordeste que está ganhando uma
certa amplificação e mostra uma outra estética uma outra lógica, o que é importante
e legítimo. Talvez essa questão hegemônica do Nordeste como lugar pobre
permaneça em um grande imaginário coletivo porque essas produções são em menor
frequência do que outras, mas por outro lado já existe uma produção constante ainda
que menor comparado a produções de lógica hegemônica. Há produções que
demonstram que existe vida cultural e negócios prósperos no nordeste. Na região
do São Francisco, existe uma representação que, para mim, corresponde ao justo,
ainda que às vezes recaía em alguns aspectos, mas a gente também não tem como
fugir disso totalmente.
Essa entrevista foi publicada na Revista ComSertões, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Disponível em: http://www.revistas.uneb.br/index.php/comsertoes/issue/view/175