Do Semiárido Urbano ao uso de tecnologias no sertão

Multiciência 05 outubro 2018

 “As pessoas acham que flor no chão é sujeira”. Com essa provocação e questionamentos acerca da necessidade de um estudo das mentalidades, o professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), Doutor em Educação, Josemar Martins Pinzoh abriu a Sessão Coordenada do segundo dia (04/10) do VIII WECSAB, realizada no auditório multimídia do Departamento de Ciências Humanas (DCH III), da UNEB em Juazeiro. A sessão teve a participação de pesquisadores com temas relacionados ao Semiárido Brasileiro; da professora Luzineide Carvalho e o engenheiro ambiental Frederico Santos.

O eixo motivador das discussões foi a proposição do grupo de Estudos dos Modos Contemporâneos de Existência em Educação, Cultura, Sustentabilidade e Subjetividade (ECUSS). A poesia se fez presente através das explicações de Pinzoh, que destacou, por exemplo, a importância e beleza da floração dos Ipês, do quanto as pessoas precisam ser educadas para compreenderem a importância da natureza. “Todo lugar que você vai tem lixo, as pessoas estão preocupadas em varrer as flores. Pra mim, serve para fazer um estudo de mentalidade”, declara.
  

Mestre pelo PPGESA, Enos André de Farias apresentou a pesquisa sobre o uso de Tecnologias no Sertão Pernambucano a partir do reuso das águas cinzas. Ele percorreu 2,2 mil/km com uma motocicleta de 150 cilindradas, denominada de Berenice. Isso porque, passou tanto tempo com o veículo que chegava a “conversar” com ela [entre risos, ele diz que pensava alto e fazia de conta que a moto estava ouvindo]. Percorrer os municípios da área atendida pelo Núcleo de Comunicadores Populares do sertão de Pernambuco proporcionou a Enos um conhecimento, na prática, de tudo o que eles apresentam na teoria, como por exemplo, o reuso e tratamento das águas cinzas das casas e o biodigestor sertanejo.

Segundo o pesquisador, o biodigestor ainda não é uma tecnologia muito visível, mas é de custo acessível. Na comunidade de Baixio, de Santa Cruz da Venerada, produtor chega a economizar dois botijões de gás por mês na produção de doces, faz e comercializa os produtos que são resultados do manejo adequado da terra e da preservação da caatinga. “As famílias  produzem doce de leite, de abóbora, de batata e toda essa produção é feita com o combustível do biodigestor”, afirma. Também destacou o processo de desertificação causado na região pela extração de Gipsita e fornos das cerâmicas produtoras de bloco/telhas e a capacidade de articulação e mobilização das comunidades.



Os cientistas sociais Guilherme Ernesto Neto e Kleyton Gualter Silva  abordaram a festa do Vaqueiro, no município baiano de Sobradinho, pensando o campo semântico do conceito de descartável. Kleyton destacou que utilizaram o festejo para analisar as relações sociais das pessoas com o lugar, com outras pessoas e com a festa e constataram a grande quantidade de lixos descartáveis e a perda da tradicionalidade. "Os vaqueiros tiveram até o percurso da procissão deles interrompido pelo evento que ocorre simultaneamente e que o poder público diz que é parte da festa. Por acaso, a gente percebeu que o conceito de descartável não está somente no olhar do poder público em relação ao vaqueiro, ele está, inclusive, nas relações que ocorrem alí. Na quantidade de paredões, na musicalidade e no contexto geral", declara.

Ainda sobre a temática dos resíduos, Carla Fabiana Silva e Mábio Dutra, mestres em Educação, partilharam as ideias da pesquisa: “A Iniquidade Humana e a Estética do Lixo”. Durante a Sessão, abordaram a necessidade de pensar uma educação para a cidadania, dentro de uma perspectiva contextualizada. “A gente não pode simplesmente aceitar um currículo engessado, a escola que é feita somente pelas paredes e as pessoas passam despercebidas. A escola é necessária e é importante nesse momento de crise à qual estamos passando”, defende Carla.

O engenheiro ambiental Frederico Costa Santos falou sobre sustentabilidade das práticas ambientais e problematizou a questão do descarte de resíduos. “O descartável em si é algo que foi feito para ser jogado fora. Não tem outra coisa. E aí vem o desafio: será que a gente está indo no caminho certo agindo com práticas, teorias e tecnologias fim de tudo? Por que a gente não inverte e vamos começar a se perguntar: por que jogar fora?”.

  


As discussões também adentraram a temática do semiárido urbana. A  pesquisadora Luzineide Carvalho destacou a importância de olhar para a cidade como um sistema vivo e complexo, que, com o passar do tempo, a cidade de Juazeiro alterou a rede hidrográfica e não diversificou as espécies da paisagem no urbano. E isso afeta o microclima e a mobilidade. “A circulação da cidade quase toda é paralela cortando riachos. Que se a gente perguntar para alguém, vai responder: riacho não, é um valão, esgoto”, observa.

Durante a pesquisa, foram mapeados os riachos que cortam a cidade e associando a isso um trabalho com relatos de que a Juazeiro antiga tinha variedade de espécies, de verde. Também foram realizadas oficinas de percepção ambiental nas escolas com crianças do segundo ao quinto ano para demonstrar os conhecimentos vivenciados pelos alunos. 

 Após as discussões, o professor Pinzoh trouxe novamente o tom poético para encerrar o debate com a leitura de um trecho que fala sobre o lixo, do livro "Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino. "A gente precisa fazer um exercício de argumentação sobre o que significa a experiência humana”. Um exemplo é como descartar o lixo de forma sustentável e ser uma realidade para todos.

A pedagoga e pós-graduanda em Desenvolvimento Infantil Liliane Barros, avaliou de forma positiva as discussões. “Tudo o que foi falado a gente tem que praticar no nosso cotidiano e passar as informações para outras pessoas também”.

Diversos temas serão abordados no último dia do Workshop, nesta sexta-feira (05/10), além da página do PPGESA no Facebook, você pode acompanhar tudo sobre o evento através do canal da WebTV Uneb, núcleo Juazeiro no YouTube.


Texto: Vagner Gonçalves
Fotos: Mayane Santos