Peço um momento de sua atenção. Vou compartilhar, nesse artigo, alguns ensinamentos da tradição do yoga para ajudar a viver em um tempo marcado pela pandemia do COVID 19. Mas antes, gostaria de meditar um pouco com você sobre esse momento.
Estamos no frenesi dos acontecimentos, no auge da biopolítica em que a vida nua, do filósofo Agamben, se vê radicalmente exposta, num paroxismo de exposição: a instabilidade de nossa situação e a forte impressão de dissolvência, ou mesmo de desmonte, das estruturas da vida moderna, que nos garantiria aquela sensação de segurança e confiança nos sistemas de perícia, tais como estudadas por Anthony Giddens, nos causa a sensação de corpos à deriva. Qualquer leitura atual sobre a cena contemporânea da pandemia do COVID 19 se torna obsoleta em função de um novo acontecimento.
A intensidade dos acontecimentos é tão extensa que parecemos tatear no escuro, parecidos com os personagens de Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. Por mais que a Ciência nos balize de informações e dados estatísticos, resta-nos a pergunta não-respondida: como vamos sobreviver? O que pode ser feito? O “lave suas mãos ”tornou-se banal. Ou antes, nos desperta para a antiga lição das tradições historicamente banidas pela ciência, que nos ensinavam a “ritualizar nosso cotidiano”, “tomar consciência de cada gesto, estar presente aqui e agora.” A ciência ocidental tem que abrir mão de sua racionalidade reducionista e dar algum crédito às práticas ancestrais, indígenas, africanas, asiáticas, mesmo que se veja obrigada a “lavar as mãos” diante de sua eficácia. Mesmo que permaneça em sua posição de racionalidade exemplar para orientar nossas ações cotidianas.
Em outra perspectiva, assistimos estupefactos ao negacionismo de certas correntes neopentecostais que, inflamadas pelo discurso e pelo gesto genocida do presidente Bolsonaro, rejeitam ferozmente as únicas medidas práticas que garantiriam uma redução de danos quanto a avalanche de mortes e ao estrangulamento dos sistemas de saúde, tal como visto em países que nos antecederam às fases da epidemia. Especialistas revelam em seus gráficos de crescimento da pandemia, em suas curvas e fases, a dimensão irrazoável da tragédia. Os números gritam mais do que nunca, pois revelam a morte e o pavor da morte. E revelam muito mais que a neutralidade axiológica do modelo epidemiológico convencional nos permite antever.
E se por um instante, guiados por reflexos individualistas do pensamento neoliberal instalados no esoterismo hodierno, pensarmos em romantizar o momento, em glamourizar o vírus, não devemos esquecer das desigualdades estruturais de nossa sociedade, e de confirmar que o vírus não tem nada de “comunista”: embora afete as classes privilegiadas de nosso país, e de todos os países, certamente os mais pobres dos países periféricos sofrerão muito mais. Principalmente porque nos salta aos olhos as radicalmente desiguais possibilidades de confinamento e de isolamento sociais.
O pensamento progressista se ressente do desmantelamento do Estado, capitaneado por um governo que prega, conforme já dito por diversos analistas, não o Estado Mínimo, mas o Estado Inexistente, o caos regido por clãs, milicianos, militares, liderado por lunáticos, orientado por pastores evangélicos inescrupulosos. Mas o pensamento progressista não consegue discernir múltiplas perspectivas na sua gênese: o que dizer, nesse sentido, das práticas integrativas em saúde, muitas vezes negligenciadas pelos arautos do pensamento progressista em nosso país?
O pensamento progressista se ressente do desmantelamento do Estado, capitaneado por um governo que prega, conforme já dito por diversos analistas, não o Estado Mínimo, mas o Estado Inexistente, o caos regido por clãs, milicianos, militares, liderado por lunáticos, orientado por pastores evangélicos inescrupulosos. Mas o pensamento progressista não consegue discernir múltiplas perspectivas na sua gênese: o que dizer, nesse sentido, das práticas integrativas em saúde, muitas vezes negligenciadas pelos arautos do pensamento progressista em nosso país?
Alargar as possibilidades de solução da crise nos aponta para as pesquisas negligenciadas pelo establishment científico, relacionadas às diversas racionalidades médicas, que devem ser reconhecidas como complementares e que, em nada ameaçam a hegemonia da biomedicina e sua busca legítima pelo remédio e pela vacina. Mas os princípios integrativos das PICs precisam ser difundidos, sobretudo para ampliar a compreensão sistêmica e o significado dessa pandemia para o atual estado civilizatório da espécie humana. Talvez seja o momento de revermos, o quanto antes, o padrão dominante de relacionamento com os outros seres da natureza, com os reinos mineral, vegetal, animal e anímico do planeta. Talvez seja o momento de aprendermos com as milenares concepções de unidade, de VIDA Una, e da recente “hipótese científica”do planeta Terra como um grande Ser Vivo, Gaya. Há milhares de anos, o Tantra Yoga já reconhecia a teia da vida, a interdependência entre os seres. A Ecologia Mística, reunindo saberes das tradições milenares do planeta, já anunciava a emergência desse pensamento.
Por outro lado, apontar novos caminhos para a realidade econômica da crise civilizacional implica em revermos o modelo de relação capitalista e adotarmos, como possibilidade premente, urgente, novas formas de sociabilidade inspiradas na economia solidária, no paradigma da dádiva de Marcel Mauss, em sistemas cooperativos como o PROUT, entre outras alternativas, na miríade de experiências e aprendizados que as comunidades ao redor do mundo ofertam.
Seja qual caminho devamos tomar, uma coisa é certa: pela primeira vez na história humana, pensarmos enquanto UNIDADE, em meio a diversidade irrefreável de modos de ser humano, e UNIDADE com toda a natureza e toda a Vida na qual existimos em teia, é uma saída emergencial para garantir nossa sobrevivência. A Natureza, diria Sri Aurobindo, exige de nós, nos desafia, a esse salto evolutivo: ou nos pensamos enquanto radicalmente interdependentes, ou pereceremos. Se haverá Estado para garantir nossos direitos historicamente constituídos, ou não, deverá haver a essência a qual essa concepção de Estado implica – o princípio de solidariedade originária, essencial, da fraternidade já aspirada pelos místicos de todas as tradições. Somos UM. Estamos lançados em uma grande Nave que abriga a todos, que fornece seus tesouros, “mas ninguém dá o seu valor”. E a hora para reencontrar esses valores chegou.
Mas agora voltemos ao nosso corpo, onde quer que você esteja, em que posição corporal esse texto chegou até você. Note primeiro o modo como você está sentado. Garanta que sua coluna vertebral assuma a sua natural condição, adquirida em milhares de anos de evolução da espécie humana, de estar ereta. Coluna ereta e, ao mesmo tempo, guardando em suas costelas, toda a sua potencial flexibilidade de mover-se livremente em todas as direções, apoiada pela cinta abdominal, incentivada pelos braços, sustentada por quadris e pernas, ancorada pelos pés, orientada pela cabeça, guiada pelos sentidos da visão, da audição, do olfato, do paladar. Sinta a pulsão e o desejo em estado de potência, como animal à espreita do próximo movimento de sua presa. Mas não iremos caçar, como fizeram nossos ancestrais: vamos apenas acessar o estado de atenção plena que aprendemos a desenvolver nessa aventura da Vida em nossa espécie. Estamos atentos, presentes, em nosso corpo.
E agora, vamos observar o modo como respiramos as palavras que estamos lendo, e vamos notar a respiração que nos alimenta de vida para além das palavras, e quanto mais silêncio fizermos, menos barulho de pensamentos erráticos nos movimentando no tempo e na urgência, mais podemos sentir a nutrição espontânea que a respiração nos concede. Sintamos a gratuidade do ar que nos envolve e respiremos com um certo tipo de amor, amor mundi, amor ao mundo. E assim, respirar com prazer, sentindo a temperatura do ar, sentindo seu tato carinhoso nos condutos respiratórios, das narinas aos pulmões... sentindo que ele, o ar, realiza sua missão para conosco, garantindo que no próximo instante, estejamos vivos. Momento a momento.
Realize essa Unidade, a qual a nossa meditação nos levou a admitir, no ar que você respira. O ar que percorre o espaço e nos conecta, antes mesmo das tecnologias da informação, ao imenso oceano de consciência infinita ao qual pertencemos todos nós. Repouse sua atenção nessa imagem de um vasto oceano invisível que nos abriga a todos, desde o início. Realize-a através do pensamento. Feche os olhos e assim permaneça enquanto puder, ou quiser, respirando o silêncio e a quietude da mente.
Ao abrir os olhos, nova visão de mundo está à sua disposição. Recriemos a vida que levamos, e vamos praticar o que aprendemos, desde nossa primeira atitude consciente de estarmos no mundo, nesse momento, compartilhando com todos dessa existência Una. Que atitude (política) exerceremos a partir de então?
Artigo por: João José de Santana Broges Jyiotish, yogue e professor do curso de Jornalismo em Multimeios, do Departamento de Ciências Humanas, pesquisador do Programa de Pós-Gradução em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos e é coordenador do Grupo de Pesquisa Corpoética: Estudos Interdisciplinares sobre Corpo, Comunicação, Saúde e Educação, no qual orienta pesquisas na área de Comunicação, Sociologia e Educomunicação e realiza ações educativas em escolas do município de Juazeiro (BA). É autor dos livros Árvores e Budas: Altenartivas do Misticismo Ecológico e Ecologia Místico, e mantem o blog Corpoética. Email: joaomundo1@gmail.com
Foto: Arquivo Pessoal de João José Borges
Artigo por: João José de Santana Broges Jyiotish, yogue e professor do curso de Jornalismo em Multimeios, do Departamento de Ciências Humanas, pesquisador do Programa de Pós-Gradução em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos e é coordenador do Grupo de Pesquisa Corpoética: Estudos Interdisciplinares sobre Corpo, Comunicação, Saúde e Educação, no qual orienta pesquisas na área de Comunicação, Sociologia e Educomunicação e realiza ações educativas em escolas do município de Juazeiro (BA). É autor dos livros Árvores e Budas: Altenartivas do Misticismo Ecológico e Ecologia Místico, e mantem o blog Corpoética. Email: joaomundo1@gmail.com
Foto: Arquivo Pessoal de João José Borges