“Se não conhecer as árvores te perderás nos bosques, mas se não
conheces as histórias te perderás na vida.” (Provérbio siberiano)
ERA UMA VEZ … Quantas vezes viajamos nessas palavras e atracamos em lugares diferentes,
personagens esquisitos, animais falantes ou finais impossíveis? Com o coração exultante e os olhos brilhantes? Cada um de nós
possui uma história, relações diferentes com a leitura e o reconto. E, os personagens nem precisavam ser tão esquisitos para que, sem nenhum questionamento, entrássemos na toca a
procura do ‘Coelho Branco’, subíssemos no ‘tapete voador’, mergulhássemos no ‘Reino das Águas Claras’. Nesses momentos e em tantos outros, fomos marcados pela Literatura Infantil, a imaginação foi despertada.
Entretanto, alguns adultos
insistem em utilizar a literatura infantil apenas como ferramenta de ensino,
que muitas vezes, possui uma visão estereotipada do
mundo. Nesse processo, não podemos esquecer
que é literatura e é arte (COELHO, 2000). Assim, nas palavras, escritas ou ditas em diferentes contextos, fazem um contraponto
entre ‘o imaginário e o real’, ‘o bem e o mal’ e como arte, fortalece os sentidos e estimula a criatividade. Através da
literatura é possível entrar em dimensões nunca visitadas, estabelecer conexões
inesperadas ou viajar o mundo inteiro.
Não importa se lemos para uma criança com
auxílio do livro, se contamos histórias de nossas memórias, se estudamos para contá-las da melhor
maneira ou se é uma leitura autônoma da criança. Todas estas possibilidades
possuem em comum o diálogo com realidades, passadas e futuras,
diversidade de culturas, etnias, valores, crenças e contextos sociais. Abordam os mistérios da existência, trazem exemplos
de virtudes, insurgem a sensibilidade, propiciam o autoconhecimento e reflexões
profundas. Ampliando o diálogo com nossos
ancestrais,a torná-los vivos
dentro de nós.
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Acervo Pessoal: Adriana Campana e Edilane Teles |
Assim, por que ler para a criança? Porque provoca os sentidos de proteção;
evidencia o beneficio que a criança adquire ao ouvir histórias; fortalece o
contato diário com a leitura vivida, principalmente quando acontece em família
durante a primeira infância, mas também mediada pelos professores; qualifica as
experiências precoces que potencializam o desenvolvimento da linguagem, a
interação e compreensão da leitura de textos escritos ao entrar na escola; cria
um fio imaginário de amor entre o cantador de histórias e aquele que escuta;
desperta ao prazer de contar e ouvir histórias, além do ato de comunicar; toca
as mentes e o coração, como diz um ideograma Japonês ‘SAKU TAKU NO-KI’, o ‘momento’
no qual prendem vidas as histórias.
Para que a literatura infantil esteja
verdadeiramente presente na vida das crianças precisamos criar ações que estimulem, ‘lembrando’ que a nossa casa, além das escolas, é o lugar chave para o
descobrimento literário. Dois pontos são fundamentais para a
entrada da criança no mundo leitor. O primeiro é o exemplo, nossos filhos
aprendem observando nossos hábitos e atitudes. Uma
família de leitores influenciará positivamente o ingresso da criança no caminho da leitura. Outro ponto é o contato com um acervo literário diverso em gêneros e temas.
Entretanto, estes itens possuem
fragilidades na maioria das famílias brasileiras, ora
pela falta de conhecimentos, ora pela condição
socioeconômica. O que não impede que outras
possibilidades de estímulos sejam acionadas, como é o caso da contação ou
da leitura de histórias, que são propostas diferentes, mas que possuem muitos pontos comuns
que iremos ressaltar.
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Acervo Pessoal: Adriana Campana e Edilane Teles |
Por que ler, contar, narrar? As pesquisas têm demonstrado que a inclusão
da literatura infantil nas rotinas e cotidiano de crianças de 0 a 6 anos
influenciam de forma positiva, seja do ponto de vista relacional, pois é uma
oportunidade de interação com os pais e outros, como do ponto de vista
cognitivo, uma vez que potencializa o desenvolvimento, a compressão da
linguagem e a capacidade de leitura, além de colaborar com a consolidação do
habito de ler.
Ler para uma criança não é a mesma coisa que contar uma história. Lemos o que o autor escreveu. Não estávamos no momento de sua criação, somos leitores e como tal, mostramos oralmente parte das intencionalidades que estão presentes naquelas palavras. Muitas vezes utilizamos expressões, gestos, entonação de voz para que a
criança tente vivenciar aquela ocasião tão especial. As pausas são tão importantes como as palavras. Muitas vezes as crianças pedem auxílio ao ilustrador para certificarem-se do que estariam imaginando.
Lemos histórias para aqueles que não se apropriaram do sistema de escrita alfabética e para aqueles que já se apropriaram, mas que percebem o prazer do vínculo criado nessa leitura. Lemos várias vezes o mesmo
livro de preferência, pedido daqueles
que querem fortalecer sua percepção da imutabilidade das narrativas. Nesse sentido,
ler as histórias preferidas provoca, por assim dizer, um efeito “balsâmico” às mentes,
pois reforça as relações, dá liberdade de ‘colher’ os significados que nos
tocam, divertem e dá ‘asas’ à imaginação.
Já a contação de histórias depende do contador e da imaginação
da criança. Celso Sisto destaca que este deve se apaixonar pela história que escolheu e contar como se
estivesse participado daquele momento, com verdade, emoção, espontaneidade. O
timbre e o ritmo da voz, assim como suas nuances, são de extrema importância para assegurar a
concentração e entendimento da criança. Mas é importante ressaltar que contar histórias não é teatralizá-las. Também não é um talento nato,
devemos estudar para proporcionar tais momentos. Podemos até contar com ajuda de alguns elementos, mas a história está na alma, na voz e nos olhos do contador.
Para quem entra nesta importante e necessária aventura dos
livros infantis, como leitores e contadores de histórias, é vivamente aconselhável
experimentar, ler com as crianças, que é diferente de ler às crianças. A
técnica (importante também), virá por si, provando e reprovando, escutando os
outros e a si mesmo, lendo e relendo.
Quais livros podemos
escolher para ler, para contar ou para incentivar que as crianças leiam? O que
devemos analisar em um livro de literatura infantil, que seja pertinente colocar como sugestão para crianças, pais e
educadores?
Inicialmente destacamos a importância do ‘objeto livro’, que será manuseado e com ‘sorte’ repetidamente folheado, lido e relido. Como diz poeticamente Odilon
Moraes, o livro tem um corpo, que é o formato, tamanho, cores, cheiro, textura, quantidade de folhas e tipo de
letras e uma alma, que será percorrida na leitura
do seu texto (palavras e imagens). Tocar, sentindo seu corpo e adentrar na sua
alma é o convite do livro
infantil às crianças. Assim, bons livros, significam qualidade de projeto gráfico, autores e ilustradores, que na maioria das vezes não sabemos onde
começa um e acaba o outro.
Além da qualidade do
livro, devemos nos preocupar com a diversidade de gêneros textuais. Fábulas, mitos, lendas, conto de fadas, poemas, narrativas, quadrinhos,
livros de imagem são alguns dos gêneros que encontramos no mercado e que devemos proporcionar para nossas
crianças. Neles estão implícitas tradições,
feitos históricos, como eram compreendidos os mistérios, dentre tantas outras percepções. Além disso, os temas devem trazer a diversidade do
mundo.
Assim, sobre a escolha dos livros é possível afirmar que:
•
É interessante recorrer a especialistas
para construir uma rede, elaborando uma lista de livros; (Sugestões ao final
deste texto)
•
Devemos lembrar que antes de ler uma história,
devemos conhecê-la. Não há sentido ler uma que não
gostamos, a menos que seja um pedido; ler sem vontade é uma barreira no
despertar da leitura;
•
Fazer um esforço para ler as histórias
preferidas da criança, pois quando o fazemos estamos dando elementos que compõem
as respostas que buscam, quando dizem “conta de novo!”.
Assim, reforçamos que ler e/ou contar histórias é importante
porque cria o habito de ouvir; aumenta o tempo de atenção; aumenta o desejo de
aprender a ler; é uma experiência muito prazeirosa para o adulto e a criança;
acalma, da segurança e consola; reforça a ligação afetiva e cognitiva entre
aquele que lê e aquele que escuta (MERLETTI, 2000;
2001).
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Acervo Pessoal: Adriana Campana e Edilane Teles |
Não temos aqui a intencionalidade de
limitar leituras ou especificar idades para cada título, mesmo porque acreditamos que o universo literário transcende muitas regras que antes pareciam estanques. Queremos propor
possibilidades de leitura/escuta a partir de experiências. Isso não quer dizer que o livro que está indicado para um grupo não possa ser usado por outro. Quanto ao livro de
imagem, que não possui texto alfabético, apenas o título, cabe salientar sua importância em todas as fases da leitura autônoma da criança e na
leitura do adulto também. A narrativa imagética estimula a oralidade, criatividade, imaginação, percepção da sequência da história, oralidade, propõe uma leitura crítica e o fortalecimento da autoestima da criança, que muitas vezes não quer
realizar a leitura por não dominar o sistema de escrita alfabética.
Além dos livros que contém apenas imagens, trazemos sugestões de coleções que propõem a leitura autônoma para crianças que estão começando a se apropriar da escrita alfabética. Estas coleções levam em conta os graus de
dificuldade da leitura, a partir das palavras que contém no texto. É o caso da coleção Estrelinhas (1, 2 e
3), Mico Maneco (I, II, III, IV E V) e Gato e Rato, que estão nas sugestões.
Outro direcionamento importante nesta
pequena lista diz respeito aos ‘contos de fadas’. Charles Perrault, Jacob e Wilhelm Grimm, Hans Christian Andersen e tantos
outros trouxeram dos contos orais os conflitos da existência humana e soluções em qualquer época. As crianças experienciam suas questões internas de modo simbólico (BETTELHEIM, 2002). Nesse sentido, medo, mal, limites ajudam a formar sua personalidade. Por isso questionamos alguns filtros
contemporâneos que se impõem aos contos de fadas, além da necessidade de uma leitura crítica aos padrões da
sociedade europeia do século XVII. Não
trazemos indicações de contos para leitura ou contação, mas reiteramos a sua
importância, inclusive em contextos e com
personagens diferenciados.
Finalizamos com um decálogo dedicado a mães e pais sobre a
importância de ler aos próprios filhos, como ação essencial do cotidiano e da
vida.
Fala, canta e sorria
ao teu filho, desde quando vem ao mundo: a tua voz o acaricia, o conforta, o
circunda.
Fala, canta e sorria
ao teu filho, desde quando vem ao mundo: repete para ele palavras. Espere, com
calma, que ele te responda.
Fala, canta, sorria
ao teu filho. Com os livros ilustrados, lhes abrirá um mundo: viaja com ele
entre palavras e cores, ele te escutar com crescente atenção.
Fala, canta, sorria
ao teu filho. Transforma o seu mundo em pequenas histórias: faça-lhes entender,
com gestos e palavras, a importância de estar juntos.
Fala, canta, sorria
ao teu filho. Leia os livros que mais ama.
As histórias que
escuta o faz voar, lhes dão palavras que não conhecia, colocam em fuga os
monstros mais tenebrosos, lhes trazem respostas a mil porquês.
Fala, canta, sorria,
reconta, leia todos os dias ao teu filho. Diga-lhe assim quanto bem voce lhe
tem, faça um presente que dura para sempre.
Somos nascidos para
ler, mas antes para escutar: leia todos os dias uma história ao teu filho. Rita Valentino Merletti
(2006)
Sugestões de livros para leitura autônoma das crianças
•
Crianças que ainda não dominam o sistema de escrita alfabética:
ONDA. Suzy Lee. Cosac Naify (livro de
imagem)
MAS SERÁ QUE NASCERIA A MACIEIRA? Alê Abreu/Priscilla
Kellen. FTD. (livro de imagem)
O LIVRO DA COM-FUSÃO: contos de fadas. Ilan Brenman. Melhoramentos.
CABE NA MALA. Ana Maria Machado e
Claudius. Salamandra. (coleção Mico Maneco)
O GALO MALUCO. Sonia Junqueira. Ática (coleção Estrelinhas)
TELEFONE SEM FIO. Ilan Brenman e Renato
Moriconi. Cia das Letrinhas (livro de imagem)
BRUXINHA ZUZU E GATO MIÚ. Eva Furnari. Moderna (tirinhas de imagem)
•
Crianças que acabaram de se apropriar do sistema de escrita alfabética
BRINQUEDOS. André Neves. Ave Maria. (livro de imagem)
FLICTS. Ziraldo. Melhoramentos
DIÁRIO DA JULIETA. Ziraldo. Globo
(Quadrinhos)
MICO MANECO. Ana Maria Machado e
Claudius. Salamandra (coleção Mico Maneco)
TATU BOBO. Ana Maria Machado e Claudius.
Salamandra (coleção Mico Maneco)
O SUSTO DO PERIQUITO. Sônia Junqueira. Ática (coleção Estrelinhas)
FOGO NO CÉU. Mary França e Eliardo França. Ática (coleção Gato e Rato)
•
Crianças com leitura fluente
MUNDINHO DO RIO. Cixto de Assis Bandeira
Filho e Vanderléa Andrade Pereira.
Franciscana. (lendas)
AMORAS. Emicida. Cia das Letrinhas.
FÁBULAS DE ESOPO. Ruth Rocha. Salamandra (fábulas)
FELPO FILVA. Eva Furnari. Moderna (gênero carta)
MALUQUINHO POR BICHOS. Ziraldo. Globo.
(quadrinhos)
LINO. André Neves. Callis
A BRUXINHA INVEJOSA. Pedro Bandeira.
Moderna.
Sugestões de livros para leitura de adultos para crianças
A COR DE CORALINE. Alexandre Rampazo. Rocco
MARCELO, MARMELO, MARTELO E OUTRAS
HISTÓRIAS. Ruth Rocha. Salamandra
HISTÓRIAS AFRICANAS PARA CONTAR E RECONTAR. Rogério Andrade Barbosa. Editora do Brasil
BRUNA E A GALINHA D’ANGOLA. Gercilga de Almeida. Pallas
O GRÚFALO. Julia
Donaldson & Axel Scheffler. Brinque-book
O CARTEIRO CHEGOU. Janet & Allan
Ahlberg. Cia das Letrinhas.
OU ISTO OU AQUILO. Cecília Meireles. Global. (poesia)
O PICA PAU AMARELO. Monteiro Lobato.
Globo
Possibilidades de livros para contação de histórias
•
Crianças até 2 anos
As histórias para crianças muito pequenas devem
conter músicas, movimento, repetição. Histórias musicadas ou parlendas com
movimento são muito aceitas pelos pequenos.
•
Crianças a partir dos 2 anos até 7 anos
FLÁVIA E O BOLO DE CHOCOLATE. Miriam Leitão. Rocco
BÁRBARO. Renato Moriconi. Companhia das
Letrinhas
A CASA SONOLENTA. Audrey Wood. Ática
O NABO GIGANTE. Aleksei Tolstói & Niamh Sharkey. Girafinha
QUAL O SABOR DA LUA? Michael Grejniec. Brinque Book
A BRUXA DO BATOM BORRADO. Anderson
Novello. Pensa Mais.
CHAPEUZINHO AMARELO. Chico Buarque. Autêntica.
Algumas
referências:
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e
Terra, 2002.
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, análise e didática. São Paulo: Moderna, 2000.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria & prática. 18. ed. São Paulo: Ática, 2003.
GREGORIN FILHO, José Nicolau. Literatura Infantil: Múltiplas Linguagens na
Formação de Leitores. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2009.
MERLETTI, Rita Valentino. Leggere ad alta voce. Milano:
Itália, Arnoldo Mondadori, 2000.
___________. Libri e lettura da 0 a 6 anni. Milano: Itália,
Arnoldo Mondadori, 2001.
OLIVEIRA, Ieda. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008.
SISTO, Celso. Textos e pretextos
sobre a arte de contar histórias. Belo Horizonte: Aletria, 2012.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global,
1985.
Texto produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia
Adriana Maria Santos de
Almeida Campana
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação,
Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB.
Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território -
EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.
Edilane Carvalho Teles:
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São
Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa
em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com