Metodologias, experiências e aprendizagens com o ensino remoto

Multiciência 23 julho 2020
Edilane Carvalho Teles; Suéller Costa
Iniciamos com a pergunta para transpor às experiências docentes na realização das práticas pedagógicas com este formato, que encontra-se por entender-se. Sobre o qual ouvimos sistematizações que apontam como saída para um ‘futuro próximo’, o ensino híbrido, considerado um ‘novo normal’ na educação. Assim questionamos: as exclusões e problemas da educação podem ser considerados um ‘normal’? Esperamos, sinceramente, que não. A princípio, pedimos cautela e estudos sistemáticos para compreender seus significados na educação de ‘todos’, e não apenas para a ‘parcela’ que teve acesso neste período. Corroboramos que a melhor maneira para conhecer é realizar nas ações do cotidiano e nos modos do fazer em movimento, o imbricamento com a realidade, para isso, a observação, a escuta, o planejamento, a experimentação e o acompanhamento reflexivo e avaliativo contínuos, como posicionamentos profissional e estratégico conscientes, que nos ajudem no processo de criação e ressignificação de uma práxis pedagógica mais inclusiva.     

      Com o início do ano letivo, em meados de fevereiro, mal sabíamos o que estava por vir. Materiais didáticos recebidos, planejamentos bimestrais concluídos, aulas atribuídas, turmas definidas, metas traçadas, objetivos transcritos e uma série de atividades organizadas, além de projetos sendo construídos para a sua elaboração ao longo dos 200 dias letivos e as 800 horas de efetivo trabalho escolar, determinados pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Tudo, devidamente, programado, conforme determina a dinâmica dos espaços educativos formais. A chegada de um vírus, inicialmente, desconhecido; logo depois, assustador; e, atualmente, em constante estado de alerta, desconstruiu um formato metodológico que há anos conduz o sistema de ensino brasileiro. A pandemia gerada pelo Covid-19 trouxe uma transformação nas práticas, condutas e reflexões, além de uma outra idealização sobre o processo educativo.


      Apesar disso, passados os primeiros meses de experiências com o ensino remoto, ainda é frequente as confusões entre a modalidade EaD (Educação a Distância) e o que se configura como remoto, equívoco que provavelmente esteja relacionado à sua realização em distanciamento entre os pares e espaços com as atividades, além de este ser um tópico ausente na formação inicial e continuada docente. 

      O ensino remoto e emergencial, porque não foi planejado e estruturado com data marcada para o seu início e a sua finalização, está em desenvolvimento no Brasil. Aliás, esta metodologia foi a alternativa adotada ao redor do mundo. Ao todo, 191 países fecharam escolas, afetando 1,5 bilhão de estudantes. Cada nação, com a sua realidade, estruturou as suas dinâmicas, e, assim, como em terras brasileiras, também enfrentou dificuldades, nos âmbitos social e inclusivo. Em alguns países, as aulas estão retornando aos poucos, com os devidos protocolos de segurança. Por aqui, este processo se mantém, e os cerca de 48 milhões de estudantes da Educação Básica, espalhados pelas 181,9 mil escolas, entre públicas e privadas, estão condicionados ao novo formato de ensino. 


      Destes milhões, acredita-se que nem a metade está tendo acesso à nova dinâmica. Para se ter uma ideia, 4,8 milhões de estudantes do ciclo básico não têm acesso à internet, segundo a pesquisa TIC Kids Online 2019, divulgada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).  E este tem sido o principal impeditivo para as práticas remotas serem democráticas, e, de fato, inclusivas. Ainda não é possível mensurar quantas crianças e quantos jovens da Educação Básica, de fato, foram excluídos do processo educativo. Cada Estado tem feito o monitoramento em sua região, e, apesar das inúmeras estratégias adotadas, não podemos considerar que todos os matriculados estão sendo atendidos, e os motivos são inúmeros, muito além da conectividade e da falta de dispositivos comunicacionais.


      Por outro lado, para aqueles, que possuem condições de dar continuidade ao processo, o desafio foi lançado, educadores e educandos estão se apropriando de inúmeros suportes para manter as conexões, tanto virtuais quanto emotivas. A distância física existe, mas o contato para os que têm acesso é contínuo. Em muitas turmas, a aproximação se tornou mais evidente e a relação foi além do aspecto cognitivo. Aulas síncronas e assíncronas, ou seja, ao vivo ou gravadas; atividades diversas, tanto escritas quanto digitais, e, de preferência, interativas; experiências gamificadas; interatividade por meio de fóruns, lives, videochamadas, audioaulas em diversas plataformas. Os inúmeros gêneros digitais são explorados e possibilitam a sincronia entre as ações, fortificando, em especial, o vínculo entre professor e aluno.


Fotos 1 e 2 -  Jogo de cartas on-line construído com base na contação de uma história sobre o Covid-19, com destaque aos sintomas e aos hábitos de higiene. Professora Sueller Costa

Para aqueles que atuam com alunos nas faixas iniciais, no Ensino Infantil ao Fundamental I, pôde-se construir uma aproximação com as famílias, que se tornaram mais parceiras na continuidade do processo educacional; para os estudantes maiores, dos ensinos Fundamental II e Médio, uma aproximação com os jovens, entrando em suas rotinas e atentando-se não apenas aos aspectos cognitivos, mas, também, comportamentais, emocionais e familiares.

A seguir, são elencados alguns aspectos para a condução do ensino remoto, com base nas experiências observadas ao longo dos últimos cem dias, e, em especial, com alunos do Fundamental I. Em primeiro lugar, a família é essencial em todo o processo; em segundo, as possibilidades de acesso aos recursos tecnológicos e comunicativos e, em especial, à conectividade; e, em terceiro, o compromisso do educador em construir, neste momento, a fortificação da tríade professor-aluno-família. Estes três pontos, quando alcançados, possibilitam a continuidade das ações e a certeza de que o educar se mantem presente ao longo desta jornada. Para a sua condução, destaca-se os elementos mais desafiadores: envolvimento, atenção, proximidade e parceria. 

  • Envolvimento e interação no processo ensino-aprendizagem

Envolver o aluno numa estratégia totalmente diferente da que ele estava acostumado foi desafiador. Primeiramente, novas formas de contato, uma plataforma, um canal de comunicação e, em seguida, a conduta dos estudos. Métodos que se tornaram eficazes porque, por meio deles, o professor passou a demonstrar ao estudante que continua presente. Os encontros se mantêm e, com eles, o vínculo é restabelecido, e, por sua vez, fortificado. Estar ‘à disposição’ tem possibilitado o envolvimento nas aulas, mas, principalmente, as estratégias de aprendizagem, que, além de aulas expositivas, envolvem dinâmicas, como uma dança para aquecer o corpo antes de uma aula ao vivo; um jogo com uma roleta para relembrar tópicos da aula anterior; um exercício coletivo para despertar a interação; um feedback de um trabalho entregue para motivar o interesse; uma música no final para transmitir boas energias, e, ainda, uns minutinhos para alguém compartilhar uma dica de filme para assistirmos no final de semana. Aproximar-se para que eles se sintam ouvidos, próximos, atendidos e queridos. 

  • Atenção constante

A atenção tem sido essencial em todo o processo, apesar de ser um dos motivos do excesso da carga horária do trabalho docente, pois com o acréscimo das elaborações para o formato remoto, que é diverso das atividades realizadas para o modo presencial, tem requerido um tempo maior de planejamento e disposição diante das telas dos aparatos tecnológicos. Nesse percurso, os construtos e sucessos do ensino-aprendizagem também dependem do professor atender o seu aluno, em especial, de forma individualizada, para esclarecer, acompanhar e orientar. É neste momento que ele dirime as dúvidas, ajuda nas dificuldades em alguma questão que vai além dos conteúdos que estão sendo explorados. Este é um compromisso que integra a profissão de um educador. E, neste momento, muitos alunos o vê como um amigo, um confidente. Por mensagens escritas, auditivas e visuais, a sensação de ser atendido desperta uma relação de companheirismo, aumentando a confiabilidade e ultrapassando a linha do ensino, adentrando na complexidade do humano que encontra-se em distanciamento social. 

  • Proximidade 

Este período ampliou a proximidade entre professores e alunos, em especial, entre os profissionais especialistas, que, no geral, atuam com muitas turmas ao mesmo tempo. O contato individual, mesmo filtrado pelas telas, para o envio dos registros das atividades, a solicitação de ajuda e o atendimento, reaproximou, aumentando, por sua vez, as relações. No caso dos alunos dos anos iniciais, esta aproximação ocorreu junto às famílias, que viram no professor mais que um parceiro, um importante e essencial orientador da sua rotina, na conduta do ensino com seus filhos. Mostrar que os conhece, que se esforça para garantir o seu aprendizado, preocupar-se com o que a criança tem dificuldades, atentar-se às suas necessidades. Este olhar especial aos educandos, mesmo no ensino remoto, fortificou esta relação.

  • Parceria

Ser parceiro representa estar disposto a colaborar, agregar, ajudar e ampliar. Com o objetivo de manter a sincronia entre os sujeitos da aprendizagem, a parceria entre alunos, professores e familiares foi essencial para a condução das atividades. As aulas ao vivo, embora voltadas aos alunos, não impedem que os demais membros da família, inclusive, os animais de estimação, estejam presentes; que as dinâmicas incluam participações especiais; que os conteúdos sejam associados a aspectos relacionados ao cotidiano das famílias; que as brincadeiras para fixação de conteúdo ganhem uma torcida organizada (família que assiste in loco), que os jogos, on-line e/ou pedagógicos, sejam elaborados com base nos conteúdos, mas também em aspectos culturais que permeiam a vida das crianças, como, por exemplo, a construção de uma pipa com as cores que aprendeu; a escolha dos seus brinquedos preferidos e apresentá-los num novo idioma; a sugestão de uma música que fala sobre um assunto abordado; uma amarelinha feita em família para treinar os números; a construção de um dado de palavras para treinar o vocabulário, dentre tantas outras possibilidades.



Foto 3 -  Cartaz fotográfico ilustrando atitudes "Green", ou seja, ações de conscientização ao meio ambiente. Professora Suéller Costa

As atividades são planejadas pelo educador, transmitidas pelo familiar, compreendidas e realizadas pelo aluno, conduzidas através dos meios tecnológicos. Mas a assimilação, o envolvimento, a compreensão e a significação do porquê realizar esta ou aquela tarefa se constrói com esta tríade. Inicialmente, muitos ficaram perdidos, com horários descontrolados, prioridades indefinidas, atividades acumuladas e sem saber como reorganizá-las. Com o passar dos meses, foi se criando uma rotina, tendo como foco o comprometimento com o aprender! Hoje, para muitos que continuaram este processo, com acompanhamento e constância construiu uma rotina diversa, a escola mudou de lugar,  apesar do sentimento de espera, contando com o retorno o mais rápido possível.
Muitos são os aprendizados, tanto para o professor quanto ao aluno. Todos se reinventaram, descobriram novos suportes tecnológicos, adquiriram novas habilidades, ressignificaram suas abordagens pedagógicas, ampliaram conhecimentos. Houve uma maior sensibilidade às realidades dos diferentes alunos e familiares. Os educadores demonstraram que, mesmo emergencialmente, é possível promover mudanças, e delas extrair aspectos construtivos positivamente. Apesar das tecnologias serem enaltecidas ao longo deste período, o que fica marcado é que a figura do professor supera qualquer recurso. Ele é o protagonista deste processo, o criador das práticas, o idealizador dos projetos; o aluno protagonista do seu aprendizado, da busca pelo conhecimento, do seu constante desenvolvimento. E a família, no papel de mediadora, é protagonista no processo de reorganização espacial e temporal, a responsável para adaptar o seu lar, e, nele, propiciar a continuidade do saber. Ela, no papel de incentivadora ao longo desta jornada, mostrou que também, mais do que nunca, é essencial para a construção cognitiva de seus filhos.


Edilane Teles é Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Coordenadora do Projeto Polifonia e do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: edilaneteles@hotmail.com 





Suéller Costa é Jornalista, Educadora, Educomunicadora e Pesquisadora. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Educomunicação, Tecnologias na Aprendizagem e Alfabetização e Letramento Digital. Atua como professora da Educação Básica, colunista especializada em textos voltados a educação e cultura, articuladora de projetos educomunicativos no ensino formal e não-formal. E-mail: sueller.costa@gmail.com