Do Hino da Independência a Que País é este? Onde vamos chegar?

MultiCiência 07 setembro 2020

Quando entra setembro, damos de cara com o replay da incansável história da Independência - Dia da Independência de um país que nunca foi independente em seu todo território. Muitos menos em outros aspectos sua cultura e economia. Então vamos lá: 7 de setembro de 1822. Segundo os relatos oficiais da história do Brasil, às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, o príncipe regente Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil. Dessa forma, na prática, o país deixaria de ser uma colônia de Portugal, ainda que o trono continuasse a ser ocupado por um rei português. De lá para cá, muita coisa mudou, ainda que de maneira lenta.

E o que disseram seus hinos oficiais e na trilha da MPB? Em vez do "gigante" Hino Nacional, vamos de Hino da Independência, composto por Evaristo Ferreira da Veiga e Barros, jornalista, poeta e livreiro que viveu no Rio de Janeiro entre 1799 e 1837. Os versos fazem uso das figuras de linguagem hipérbato, que inverte a ordem direta dos termos na oração; e metáfora, que altera a conotação das palavras, dando a elas novos sentidos. Eis alguns trechos:

Já podeis, da Pátria filhos/Ver contente a mãe gentil/Já raiou a liberdade/No horizonte do Brasil/Brava gente brasileira/Longe vá… temor servil: Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil(...) Brava gente brasileira Longe vá… temor servil: Ou ficar a pátria livre Ou morrer pelo Brasil

Morrer pelo Brasil se morre todos os dias de todas formas pela monstruosidade tamanha das questões sociais. Apáticos e compostos antes de todas as formas políticas com que se domou o povo, os hinos oficiais não tiveram tempo de enxergar a pasmaceira com que a política transformou esse território delineado pela Corte Portuguesa. Em quase 200 anos desde que o Brasil deixou de ser uma colônia, filmes, livros, documentários e dezenas de músicas do cancioneiro nacional expõem na ótica de seus letristas,  coisas e causos como forma de declarar seu amor pelo país e esbravejar a indignação coletiva pelos problemas corriqueiros da política.


O que não faltam são canções em todos os ritmos gravadas da década de 1930 para cá e que traduzem momentos da árdua caminhada do país do carnaval. Icônica, começamos por Aquarela do Brasil(Ary Barroso) registrada em 1939, como um samba-exaltação que levou o gingado do samba para o mundo. Foi escolhida por Walt Disney como música tema da animação “Alô amigos”, tendo como personagem principal é o papagaio Zé Carioca.

A letra se traduz num poema épico que faz declarações de amor à pátria, às belezas de nossa terra e ao povo brasileiro, conhecido pela sua receptividade e alegria. Foi gravada por grandes nomes como Carmem Miranda e Elis Regina, e regravada por astros internacionais, como Ray Conniff e Frank Sinatra.


Em 1969, com o país grampeado pela Ditadura Militar, Jorge Ben - que virou Jorge Benjor, tirou da cartola a ufanista e carnavalesca País Tropical, exaltando as tradições, belezas e diferentes culturas do Brasil. Tornou-se um símbolo do nacionalismo e orgulho de morar em um “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Uma canção que também revelava sua paixão pelo time do coração, o Flamengo.

Brasil - Mostra a tua Cara

Na profusão cultural do anos 1980, foram muitas composições que traduziram em suas letras uma espécie de crônica da vida real de um país atolado em crises. O roqueiro Cazuza ganhou em 1988 a atenção da mídia radiofônica com "Brasil"  canção de protesto contra os que se apoderavam do país e revertiam as leis em benefício próprio. Esbravejada na voz tropicalista de Gal Costa a música foi tema de abertura da novela 'Vale Tudo', da Rede Globo, com enredo alinhado nas garras da corrupção  e mazelas da miséria nacional.


Depois de expressar sua indignação, ao final Cazuza também declara sua fidelidade à pátria amada, dizendo: “Em nenhum instante eu vou te trair". Nessa mesma época, o país passava por mudanças no campo políticosocial e econômico, em meio a intensa e tensa abertura política, grito popular pelas eleições Diretas até os novos capítulos do infinito enredo de corrupção na capital federal.


E foi na cena de Brasília que explodiu a onda do rock pop dos anos 80. Entre as bandas estavam a Legião Urbana, que balançou o coreto com a voz marcante de Renato Russo, o poeta do grito dos jovens brasileiros que, indignados questionou aos quatro cantos: "Que país é esse?", canção ainda presente em manifestações democráticas por todo país.  Falando em democracia, que País é este? Que independência somos os brasileiros? Sem jamais termos respostas, basta-nos ouvir os hinos da MPB. Os hinos oficiais estão enferrujados.

Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP).