O impacto da Covid-19 na vida dos trabalhadores rurais

Multiciência 14 maio 2021
O setor agropecuário vem registrando alta mesmo com a pandemia da Covid-19. Em 2020, o agronegócio brasileiro, calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), chegou à marca de 26,6% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) do país, alcançando quase R$ 2 trilhões. Porém, como os trabalhadores rurais, aqueles que são linha de frente na distribuição de alimentos e sem direito ao isolamento social, foram afetados pelo coronavírus? 

Horta Comunitária Povo Unido em Juazeiro/BA.

O Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural e doutorando no Programa de Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, Elson de Oliveira,  desenvolve ações voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar e conta que  meio rural sofreu impacto no decorrer da pandemia. “O meio rural viu com muita apreensão esse momento que estava se aproximando. Esperava-se uma coisa mais curta. No decorrer do processo, eles tiveram um problema sério no escoamento da produção”, declara o agrônomo. 

Trabalhadores que atuam no meio rural tiveram dificuldade para comercializar seus produtos. As feiras livres fecharam e outros métodos – comercialização porta a porta – também não puderam ser realizados. Mesmo continuando a produção no campo, a comercialização saiu prejudicada. Uma das soluções foi o uso do sistema de deliverys, combinado com o retorno das feiras, porém a apreensão ainda continuou. 

Outro problema foi a redução da capacidade de compra do Programa Nacional de Alimentação Estudantil (PNAE), que foi criado com o objetivo de distribuir merenda a cerca de 40 milhões de estudantes da rede pública no Brasil. No mínimo,  30% dos recursos destinados a alimentação dos estudantes precisam ser direcionados a compra de produtos da agricultura familiar. Com o fechamento das escolas, muitos desses agricultores, que faziam entregas para o PNAE, sofreram com a drástica redução em suas economias. Em decorrência da rede de ensino não estar funcionando presencialmente, as Prefeituras não compravam mais desses agricultores, novamente a produção continuava, porém sem ter para quem vender. 

O processo de assessoramento desses trabalhadores rurais – através da Assistência Técnica e Extensão Rural, ONGs, Governo Federal e outros que executavam projetos – também sofreram interferências. No início da pandemia, pararam por completo o assessoramento desses agricultores. No final do ano de 2020, começaram algumas capacitações remotas e algumas aproximações para voltar às comunidades neste ano, porém muitos projetos tiveram a sua paralisação no processo de acompanhamento técnico.

Trabalhadores 

Em relação às medidas sanitárias, se a fiscalização já está difícil no meio urbano, imagine no meio rural junto as comunidades rurais e os trabalhadores do setor agrícola. Existe o agravante de que moradores da zona urbana migram para a zona rural nos finais de semana e afins, isso acaba gerando aglomerações e causa apreensão para aqueles agricultores que são precavidos. Esse processo de migração acaba disseminando o vírus nessas comunidades. 

Elson afirma ainda que os trabalhadores rurais e trabalhadores de grandes empresas ficam vulneráveis a essas questões de exposição ao vírus. “Eles ficam reféns, principalmente os trabalhadores das grandes empresas, na obrigatoriedade de continuar o trabalho. Com a pandemia, o dólar em alta, eles tiveram até uma quantidade maior de trabalho porque a agricultura não parou e para conseguir maiores valores então o volume produzido foi muito grande porque o mercado externo estava favorável a comercialização em grande escala,” declarou. 

Elson de Oliveira, agrônomo e pesquisador

O pesquisador esclarece que o grupo requer cuidados. “A vacinação está chegando aos interiores, mas o processo de conscientização do público ainda é muito baixo em relação à migração para a zona rural”. 

Para a conscientização e proteção dos trabalhadores das grandes empresas, os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) lançaram uma cartilha online com orientações para prevenção. A cartilha contém 17 medidas para tentar prevenir a infecção do vírus Covid-19, além de outros conteúdos.

A trabalhadora rural Jamillys Mendes, atua há 1 ano e 8 meses no packing house (setor de embalagem) em uma empresa de fruticultura da região. A trabalhadora fala sobre as diferenças no trabalho antes da pandemia. “Trabalhávamos normal. Todo mundo junto, sem precisar de distancia, não tinha a frequência de álcool nas mãos, o horário de almoço era o mesmo para todos e a jornada de trabalho era normal de 44 horas semanais.”, relembra.

Agora no período pandêmico, Jamillys ressalta que medidas foram tomadas, como sempre manter o distanciamento de, no mínimo um metro, passar álcool nas mãos com frequência, sempre higienizar os instrumentos de trabalho; o horário de almoço foi dividido em dois horários para evitar aglomerações; as mesas ficam a um metro de distância; trabalhadores usam máscaras e evitam contato físico. 
Ano passado, com o aumento da notificação de casos, Jamillys diz que houve um período na empresa em que os trabalhadores foram divididos em duas turmas para alternar os dias de trabalho. O salário foi reduzido pela metade por parte da empresa e o governo creditava a outra metade aos trabalhadores, porém essa medida já não é mais adotada e a jornada de 44 horas retornou. 
Packing House - imagem ilustrativa - fonte: MFRural

No caso do transporte, Jamillys explica que, ao entrar no ônibus, o motorista fornece álcool e os trabalhadores precisam manter o distanciamento, não podem sentar lado a lado. Quanto a reconhecer se a empresa preza pelo seu bem-estar, ela diz que a empresa fornece máscaras e álcool para seus funcionários. Quando alguém apresenta sintomas, o funcionário procura uma Unidade de Saúde e se afasta das atividades laborais. “Não estamos correndo risco de pegar esse vírus só na empresa. A empresa faz a parte dela e toma todas as prevenções cabíveis, mas, na maioria das vezes que alguém testa positivo, não temos certeza de onde pegou”, conclui a trabalhadora.

É importante atenção para esses grupos de trabalhadores. Tanto a agricultura familiar quanto os trabalhadores rurais de grandes exportadoras da região são linha de frente na distribuição de alimentos e tem participação significativa na economia regional e do país. A conscientização de pessoas que vivem em zona urbana é essencial para a proteção daqueles que vivem da agricultura familiar na zona rural, o apoio quanto aos sistemas de delivery e feiras livres também é fundamental. Quanto aos trabalhadores de grandes empresas, apoio, assistência financeira e conscientização para garantir a própria segurança e de seus familiares é o principal.

Reportagem especial para Agência MultiCiência por Júlia R Mendes, estudante de Jornalismo em Multimeios. Email da repórter: juliamendes056@gmail.com 

Fotos: Divulgação Elson Oliveira
Site MFRural