Quilombo e Pandemia: Como as Comunidades enfrentam a Covid-19

Multiciência 19 maio 2021
As comunidades quilombolas, em Juazeiro-BA, enfrentam dificuldades sociais e de saúde pública com a pandemia, como a escassez de água potável. Algumas nem sequer possuem saneamento básico e tendem a viver sem perspectivas de melhoria na infraestrutura. Em meio à crise sanitária, as condições básicas de higienização e o uso da máscara são essenciais na prevenção do contágio ao coronavírus, mas, com a falta de recursos destinados às comunidades, a saúde dos moradores é  comprometida. 
Comunidade de Barrinha do Cambão.  Fotografia de Raryana Wenethya
Assim como as comunidades quilombolas de Juazeiro, muitos brasileiros vivem em condições desiguais de acesso a água limpa e saneamento básico. De acordo com levantamento realizado pelo IBGE, cerca de 18,5 milhões de brasileiros não recebem água encanada todos os dias. É o caso da comunidade do Rodeadouro, que enfrenta a falta d’agua. Por vezes, a água não chega até os moradores devido a estrutura da bomba de captação não ser suficiente para atender a todos. O recurso encontrado é fazer uso da água sem tratamento, coletada diretamente do Rio São Francisco.

Com a pandemia, a falta de profissionais de saúde também afetou os moradores aquilombados, pois falta um posto de saúde. Nesse processo, para que se tenha atendimento, é necessário que se desloquem até outras comunidades em busca de assistência médica. A moradora do Rodeadouro, Jamile Silva, relatou que, quando algum morador apresenta sintoma da Covid-19, é necessário ir até o posto de outra comunidade. Esse deslocamento se torna bastante complicada pela falta de transporte e, com o risco de contágio, a carona de vizinhos não é algo possível para aqueles que não possuem o transporte.

Em função da intervenção do Supremo Tribunal Federal, os quilombolas passaram a ser grupos prioritários com relação à vacinação, porém a deficiência em orientação atrasou a imunização diante da proliferação de fake news a respeito da vacina. Inicialmente, a imunização dos moradores das comunidades quilombolas ribeirinhas, do norte do estado, começou a ser feita por idade, contudo o Conselho de Promoção da Igualdade Racial, junto ao Grupo de Articulação Quilombola do município interviram, alegou ser um direito a imunização de todos os moradores, garantido pelo STF. Porém, a falta de imunizantes não vem contemplando todos os moradores. 

Observatório Covid-19
A Coordenação Nacional de Articulação da Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) criou um Observatório do Covid-19 nos quilombos com o intuito de monitorar os casos de infecção e também os óbitos, uma vez que esses números estão sendo invisibilizados ou não têm recebido a devida atenção do poder público e também dos meios de comunicação dominantes, denuncia a CONAQ.  Segundo o Observatório, os quilombos somam a marca de 5.345 casos confirmados e 271 mortes em decorrência da doença. Recente pesquisa do jornal O Globo aponta que menos de 4% das comunidades quilombolas foram vacinadas em todo o território nacional até agora. 

O cenário pandêmico agrava ainda mais questões como a da vulnerabilidade socioeconômica resultando na precariedade da segurança alimentar. Falta alimento na mesa da população quilombola, no povo preto, trabalhador. Pensando nisso a Frente Negra do Velho Chico organizou uma campanha para arrecadação de alimentos e produtos de higiene, na perspectiva de amenizar os impactos causados pelo Covid-19 buscando a seguridade alimentar das comunidades. Márcia Guena, presidente do Conselho de Promoção da Igualdade Racial e pesquisadora sobre hierarquização racial, está à frente do projeto e participa do mapeamento e distribuição desses mantimentos. “Estamos entrando em contato com as comunidades que já são certificadas como Alagadiço, Barrinha da Conceição e Rodeadouro, mas também outras que estão em fase de certificação, como Curral Novo e outras comunidades do Salitre, para distribuir os alimentos”, explicou Márcia. 
Márcia Guena. Foto: Juliano Ferreira do Carmo

Processos de certificações de algumas comunidades, como a de Curral Novo, ainda tramitam pela Fundação Cultural Palmares, que tem enfrentado dificuldades nesse sentido, em virtude do desmonte da Fundação por parte do presidente Sérgio Camargo. Já a titulação de terras em outras comunidades que já são certificadas, encaram lentidão nesse processo, uma vez que há um desinteresse por parte do Estado em reconhecer a posse dos territórios quilombolas, e com a pandemia essas articulações se tornam ainda mais demoradas.

A importância da certificação contribui significativamente para que as terras das comunidades sejam tituladas, além de outros benefícios. A comunidade do Rodeadouro, por exemplo, após o processo de certificação recebeu iluminação pública em toda comunidade e também passou a ter acesso ao programa Universidade Para Todos (UPT), programa instituído pelo Governo da Bahia, em parceria com as Universidades estatuais baianas. Ainda segundo Jamile, a UPT contribuiu bastante com a educação dos jovens quilombolas e isso só foi possível graças a certificação. 

Reportagem de Cassio Costa, estudante de Jornalismo em Multimeios para Agência MultiCiência