Autodiagnóstico de transtorno de especto autista e do déficit de atenção traz riscos de automedicação entre estudantes

Multiciência 13 março 2023
Formulários de autodiagnóstico e informações sobre autismo e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) repercutem, atualmente, nas redes sociais. Os quadros sintomatológicos são interpretados por pessoas sem conhecimento científico e, com isso, confundem a população brasileira sobre o assunto.
 
O TDAH é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que geralmente aparece na infância e acompanha o indivíduo durante todo o seu desenvolvimento. Em média, 5% a 8% da população mundial apresentam Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. De maneira subsequente, o autismo, transtorno do neurodensenvolvimento, corresponde a 70 milhões de pessoas, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Para entender a temática, a fonoaudióloga, pós-graduada em Desenvolvimento Infantil e especialista em Distúrbios da fala e linguagem, Isabela Barreiros, alerta sobre os perigos da automedicação devido ao autodiagnóstico, muitas vezes obtido por meio de plataformas digitais sem um acompanhamento médico. “O diagnóstico com o profissional é essencial, nem tudo obtido via Google é realmente confiável,” afirma Isabela Barreiros.


Isabela Barreiros esclarece sobre aspectos sintomáticos de TEA e TDHA


Confira a entrevista feita pelas estudantes de jornalismo, Maria Thereza Abel e Giovanna Hercilia para Agência MultiCiência.

MultiCiência (M): Existem diversas manifestações de autismo, quais são elas? 

Isabela Barreiros(IB): O Transtorno do Espectro Autista (TEA), popularmente conhecido como autismo, possui diversos sintomas. O que vai diferir é o nível que eles possuem. Então, se diagnostica o TEA em diferentes níveis de suporte 1, 2 ou 3, seguidamente, leve, médio e severo. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) não se classifica o TEA resumidamente como autismo. Eles apresentam características em intensidades diferentes. O TEA possui uma variedade de características, mas em intensidades diferentes.

M: A senhora considera importante que um autista com síndrome de Asperger tenha necessidade do acompanhamento com o fonoaudiólogo?

IB: Não se usa mais o termo "Síndrome de Asperger", todos são TEA. Desde 2013, o manual traz essa nova nomenclatura. Para o TEA nível 1, depende se o paciente tem atraso na linguagem. Não é que o paciente não fale, mas há uma dificuldade na subjetivação da linguagem, de entender metáforas, da interação social. Assim, o fonoaudiólogo vai intervir independente de qualquer coisa. A equipe interdisciplinar tem que estar atenta mesmo que seja só para monitorar. É importante que se faça essa avaliação para identificar se o paciente tem algum atraso na linguagem da comunicação.

M: O TEA é um distúrbio do neurológico caracterizado por um desenvolvimento atípico. A partir de qual idade uma criança demonstra os sintomas?

IB: Já há bebezinhos de 1 ano que se consegue identificar os sintomas. Durante a amamentação, a criança não mantém contato visual, um bebê muito irritado que não gosta de vestir e tirar roupa, e que não sorri... tudo isso já são sintomas do TEA.  Mas a média de idade que as mães percebem é a partir de 1 ano, quando a criança não adquire a fala e começa aquela ansiedade nos pais para escutar as primeiras palavras dos seus filhos. 

M: Quais os tratamentos necessários para conseguir ajudar o autista na sua comunicação social?

IB: O fonoaudiólogo é o principal profissional que vai ajudar nessa questão da comunicação, mas a equipe toda como psicólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicopedagogo, todos ajudam na comunicação. Há algumas abordagens que são utilizadas como a análise do comportamento aplicada, a comunicação alternativa, assim como, as pranchas de comunicação. Existem técnicas específicas como o PROMPT, que é utilizada para ajudar nas questões dos sons da fala e a própria função da linguagem. 
As mães dos pacientes dizem: “ah, mas eu quero que ele fale tudo”. Porém, a fala precisa ter uma função, não quero que a criança repita tudo, sem nem saber o que significa, quero que ela se comunique. Se a criança apontar, mostrar símbolos, desenhos e modelos, isso é importante, pois antes da fala é preciso trabalhar a imitação e a comunicação não-verbal. Assim, o paciente vai percebendo que essa frase que se utiliza, na verdade o ajuda a se referir a algo, então ele vai utilizando o que aprendeu para comunicar.

M: Por quê geralmente crianças introvertidas tendem a levar a suspeita dos pais de diagnóstico de autismo?

IB: Hoje, está bem assim, tudo é TEA. Não é bem assim, porque tem que seguir os critérios. Nem sempre aquela criança introvertida é autista, geralmente é apenas a sua personalidade. Por exemplo, o indivíduo pode se manter distante um determinado tempo por timidez, mas em algum momento ela vai lá brincar/interagir com as outras pessoas, diferente do TEA.
A criança com o déficit de interação social não busca por outras crianças, nem sequer gosta de estar no meio delas. Não é apenas a introspecção, existem outras características que a gente analisa para o diagnóstico.

M: O TDAH é um transtorno neurobiológico de causas genéticas caracterizado por sintomas como a falta de atenção, inquietação e impulsividade. Quando uma criança apresenta sinais de TDAH?

IB: O diagnóstico é fechado a partir dos sete anos, pois nessa idade vem a questão da leitura e escrita que se torna um desafio para elas, antes disso os médicos sugerem que "há um risco para". Existem riscos para uma criança muito agitada, uma criança desatenta, mas o médico geralmente não fecha o diagnóstico antes dos sete anos. 
Para se ter um diagnóstico específico, não existe exame, tanto no TEA e no TDAH são critérios clínicos. Então, para a falta de atenção e hiperatividade existe um questionário com nove itens, quando a criança responde essas perguntas, ela precisa ter pelo menos seis características, uma delas é enviada para o médico e a outra para escola, para identificar o que de fato esta criança está percebendo. 

M: Por quê as pessoas com TDAH têm dificuldades com a aprendizagem escolar de início?

IB: Devido a questão atencional, comportamental e sensorial. Além da questão do ambiente mesmo. Imagine uma escola de educação infantil, em uma sala cheia de desenho, letra do alfabeto, cores e com barulho que não se tem como controlar. A criança não vai conseguir manter a atenção.
Pesquisas mostram que a criança hiperativa apresenta um melhor desempenho acadêmico do que a criança desatenta. O hiperativo é tão impulsivo para terminar a atividade que acaba não conseguindo concluir a atividade, assim como a  criança desatenta  que não consegue realizar a atividade devido a dificuldade em manter atenção. Assim, geralmente, o médico indica medicações que vão ajuda-los a diminuir a agitação e melhorar a atenção. 

M: A fonoaudiologia assim como no autismo também colabora para o tratamento de crianças com TDAH? Como seria este ato?

IB: O TDAH pode apresentar o distúrbio no processamento auditivo central. O que é isso? É você escutar e entender o que você está escutando. Existem vários barulhos ao redor, mas dá para conseguir focar em apenas um determinado ruído. Os que possuem TDAH conseguem escutar muito bem, mas a informação que surge para eles não é de forma adequada e, muitas vezes, a desatenção vem por conta disso. 
Então, os fonoaudiólogos trabalham nessa função no processamento auditivo de habilidades. Por exemplo, enquanto estamos dando a reportagem, é possível escutar a música de fundo e, também, a fala de pessoas quanto a nossa volta. Durante a entrevista, conseguimos nos concentrar apenas nesse diálogo, "isolando" o ambiente ruidoso de fundo. Uma criança com o tal distúrbio não vai conseguir se concentrar nem prestar atenção. Trabalhamos com a leitura e escrita também, então a criança com a dificuldade na leitura e na escrita, em conjunto claro com um psicopedagogo, tentamos ajudar a chegar até os pré-requisitos desses tipos de linguagem. 

M: Geralmente, crianças desatentas ou muito agitadas tendem a confundir os responsáveis a um possível TDAH, porém depois de um diagnóstico preciso é tido como negativo. Esse acontecimento é muito comum de ocorrer durante os tratamento?
 
IB: Pode acontecer, se a criança não conseguir preencher os critérios de características durante a avaliação neurológica. Quando um médico tem dúvida, ele passa uma bateria de exames, entre elas é a neuropsicológica. Nessa avaliação, é possível descartar ou confirmar o déficit de atenção e hiperatividade. Assim, tem que analisar outros fatores como comportamentais.

M: O autismo e o TDH estão sendo confundidos pelas pessoas, o que difere os dois?

IB: No TEA, as suas principais características são o deficit na comunicação, interação social e a presença de padrões de comportamentos fixos repetitivos.
O que seriam esses padrões? Palavras que você fala, então, eles tendem a repetir muito. Isso é um padrão de comportamento repetitivo, o ato de mexer as mãozinhas, andar em torno de si mesmo, enfileirar os carrinhos, existem variabilidades claras conforme os níveis. 
No TDAH, não tem isso, são umas funções cognitivas superiores, memória de trabalho, planejamento motor, e a questão da atenção, a impulsividade, do controle inibitório, no qual a pessoa não consegue se controlar. Muitas vezes, pode ocorrer de ter um diagnóstico no qual o TDAH e o TEA venham juntos. Então, diante desta ocorrência, pode dar a entender essa semelhança e confundir as pessoas.

M: Em sua opinião, o âmbito escolar está preparado atualmente para lidar com as crianças que apresentam esses tipos de transtornos?

IB: Ocorreram várias melhorias, contudo, ainda precisa melhorar mais. Desde 2016, a gente tem visto no Ministério da Educação uma diminuição de recursos na formação de professores. Em 2010, vimos uma explosão de formação, porém, atualmente, vem diminuindo e os professores precisam ter essa formação continuada. Eu me dirijo ao âmbito público, porque em escola privada a situação é mais complicada. Portanto, seguir as políticas públicas no serviço público de fato precisam ser melhorada. Um professor é muito carente de informação e isso interfere no desenvolvimento do estudante em sala de aula. As questões da acessibilidade arquitetônica vêm melhorando muito, seleções para professores de apoio, professores de Atendimento Educação Especializada (AEE) aumentara, mas ainda não são é suficiente. Avançou bastante no aparato da sala do AEE,, que as escolas possuem, onde a política pública age. Mas não se vê mais tanto recurso como antes.  Aliás para ser sincera, não tenho visto mais nada, e isso interfere no processo de inclusão, de preparação daquele ambiente, porque o professor do AEE trabalha no contra turno com aquele estudante com poucos recursos e muitas vezes sem um local adequado.


Especialista alerta sobre os perigos do autodiagnostico



M: O tratamento para TDAH é eficaz para um adulto na mesma proporção que é para uma criança?

IB: Difere, até porque o adulto TDAH já consegue compreender que ele tem determinado transtorno, e através desse entendimento ele possui suas maneiras de driblar os sintomas, todavia a criança, ela não compreende muito isso. 
Então, precisa-se de um acompanhamento muito mais intensivo do que o adulto. As vezes,
apenas com a medicação certa e com a questão da consciência do transtorno, o mais velho já consegue diminuir a hiperatividade e o desvio de foco.

M: Algumas pessoas têm atitudes/comportamentos, nas redes sociais, que estimulam o autodiagnóstico de algum transtorno sem consultar um especialista. Isso pode trazer impactos à saúde? Quais são esses impactos?

IB: A automedicação é uma delas. O usuário possui acesso fácil à receita médica e pensam que a falta de atenção é um sintoma suficiente e buscam a medicação com a substância cloridrato de metilfenidato nas farmácias, que inclusive liberam fácil acesso ao medicamento.
É muito rápido o acesso à essa medicação. Só buscar na internet a medicação para o TDAH que você pode encontrar semelhantes que ajudam a conter esses sintomas da desatenção.
Muitas vezes, tomando a droga sem um acompanhamento médico poderá causar sérios problemas de saúde como insônia, falta de apetite, perda de peso e irritabilidade, além da dependência da droga. 
Pelo menos uma ou duas das nove características do transtorno possuímos, e não é por isso temos TDAH. O diagnóstico com o profissional é essencial, nem tudo do "Dr. Google" é confiável.

M: Ultimamente,  circulou um vídeo na internet de uma menina pendido para o pessoal parar de comprar a medicação sem necessidade, pois estava sendo difícil encontrar a substância pelas farmácias. E se encontrados, eram com preços absurdos.

IB: Pois é, as pessoas inclusive utilizam os psicoestimulantes com o intuito de estudar para concursos/universidades, geralmente, para ficar atento, não dormir. E assim tem as suas consequências, medicação é medicação, nada é natural.

M: Como o familiar responsável de uma criança com esses transtornos pode agir sem condições financeiras durante o tratamento dos pequenos?

IB: Essa é a dificuldade maior que se encontra atualmente. Existem o CAPS e o CREAS que a entrada é porta livre para criança com TEA, e há toda uma equipe de fonoaudiólogos, médicos e psicólogos.  Infelizmente, nesses locais tem muita criança para pouco profissional e uma pequena estrutura para atender todas as crianças no âmbito público. As famílias têm que cobrarem do Ministério Público e, subsequentemente, ver se cobram do Estado e da Prefeitura. O TDAH realmente não se tem um espaço ainda, mas deveria.

Entrevista realizada pelas alunas Giovanna Hercilia Santana e Maria Thereza Abel para a disciplina de Introdução ao Jornalismo, ministrada pela professora Andrea Cristiana.
Edição: Tulio Oliveira