Érica Araújo: “Com a câmara na mão, os pés plantados no chão e muitos sonhos coletivos na cabeça”

MultiCiência 02 março 2023
Idealizado por um grupo de jornalistas da Chapada Diamantina, o Coletivo ELA - Escola Livre de Audiovisual  inova  no campo da comunicação com a perspectiva de ressignificar o uso das tecnologias através do audiovisual e torná-lo uma ferramenta de transformação e empoderamento das comunidades tradicionais do território., com ênfase na representatividade feminina à frente do projeto. Das sete participantes, cinco são mulheres, como as jornalistas Maiara Luane, Renata Semayangue, Rose Caroline, Joana Horta e Érica Araújo idealizadoras do projeto. 

Érica Araújo é jornalista formada pela Universidade do Estado da Bahia que atua no coletivo como secretária e coordenadora da produção de base. Ela ressalta a importância do coletivo para sua vida profissional. “A Escola Livre de Audiovisual é um coletivo com uma visão de campo, pois fui egressa da primeira turma de jornalismo de 2014 e a ELA foi o meu primeiro emprego. É satisfatório trabalhar como profissional de jornalismo aqui da Chapada através deste espaço”.

Assim, o coletivo entende que um dos objetivos é ensinar os alunos a trabalhar com os recursos digitais e com produção de baixo custo, sendo uma oportunidade também para os jovens que buscam autonomia e vivência prática e artística desta linguagem na região da Chapada Diamantina. O audiovisual é uma ponte para superação dos desafios históricos da herança da escravização, do coronelismo e do patriarcado que marcaram a vida chapadense.

Para entender melhor a importância do coletivo para as comunidades tradicionais, a jornalista destaca a força da Escola Livre Audiovisual (ELA) para a construção emancipatória da Chapada Diamantina e a representação das mulheres neste espaço de produção audiovisual. “A formação de audiovisual nessas comunidades é uma aposta de autonomia desses sujeitos, dessa mobilização popular que a gente tenta promover nas nossas formações. Também incentivamos as populações das comunidades tradicionais a utilizar essas ferramentas do audiovisual de forma criativa, de forma emancipatória e de forma autônoma”.

Confira a entrevista realizada por Ana Oliveira para MultiCiencia com a jornalista Érica Araújo. 

Idealizadoras do Coletivo Escola Livre Audiovisual (ELA). Foto: ELA
Idealizadoras do coletivo Escola Livre Audiovisual (ELA). Foto: Arquivo ELA

Ana Oliveira:  Você é mulher, negra, jovem e uma das idealizadoras do projeto ELA. Como você entende este pioneirismo?

Érica Araújo: Estamos dando visibilidade a outras mulheres como eu, dando voz e promovendo o empoderamento dessas mulheres que estão falando das suas próprias narrativas, tecendo suas próprias histórias, a partir da perspectiva do olhar feminino.  É muito importante para gente que é mulher e está ocupando esse espaço no audiovisual, porque, na maioria das vezes, a gente vê mais homens. E, quando é uma mulher que está à frente disso, essa ação possibilita outras mulheres a utilizar as técnicas, para poder ajudá-las a falar e, assim, poderão entender a realidade. Ter um olhar crítico é muito bom e satisfatório para mim. 

Ana Oliveira: A Ela representa a construção e representação da Chapada Diamantina a partir dos próprios coletivos. Como e porque o coletivo foi pensado?

Érica Araújo: A ELA nasceu como um projeto de extensão em 2020.  A gente entendeu que, como um coletivo, a gente seria mais forte. Cada uma com a sua experiência, dinâmica, perspectiva, e com o seu olhar. E a partir daí foi formado o coletivo por cinco mulheres da região para poder falar e discutir um pouco sobre o cenário do audiovisual na Chapada Diamantina. A partir dessa experiência, da Escola Livre Audiovisual, foi realizada a formação.
A gente teve a primeira formação com 120 alunos; e a segunda formação com 20 alunos, resultando na produção de 20 curtas. A partir disso, percebemos que a ELA foi crescendo e estávamos recebendo apoio também de outras pessoas. Fomos crescendo como coletivo e decidimos transformar em um coletivo de mulheres para ampliar nossos serviços de comunicação aqui na Chapada. E está sendo uma experiência muito boa. Cada dia mais aprendo com a ELA, com nossos alunos, com os serviços que oferecemos. A Escola Livre de Audiovisual, além de ser um coletivo, tem uma visão de campo, fui egressa da primeira turma de jornalismo de 2014 e ELA foi o meu primeiro emprego. É satisfatório trabalhar como profissional de jornalismo aqui da Chapada através deste espaço.

Ana Oliveira: O Projeto ELA nasce de um coletivo que tem a participação de jovens. Mas como é mantido este projeto, quais as parcerias?

Érica Araújo: Temos uma parceria muito forte com a Universidade do Estado da Bahia, campus Seabra, e com Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, de Seabra. Para além destes, temos também a parceria com o Cineclube Fruto do Mato, que Renata Sena faz parte. Ela também é do coletivo e também com a Cine Poética. A partir dessas parcerias e a partir da primeira turma, conseguimos oferecer outros serviços. Recentemente, fizemos a produção do Forte Cultura e aí vem outros projetos. As pessoas nos procuram por sermos um coletivo e por cada um ocupar um modelo diferente. Essas parcerias é o que nos mantêm. Participamos de alguns editais, chegando a ficar em segundo ou terceiro lugar.
Mas, mesmo assim, através do nosso trabalho, as instituições nos procuram para formarmos parcerias. Além destas já citadas temos, também uma parceria muito forte com os sindicatos. Estamos formalizando uma parceria nova para 2023 com o Observatório dos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina (OCA) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). 

Érica Araújo e Ana Oliveira que também participou da formação

Ana Oliveira: A ELA constrói uma comunicação emancipatória voltada para a realidade regional. De que forma o coletivo contribui para a formação nas comunidades tradicionais do território?

Érica Araújo: Acreditamos que o audiovisual é uma ponte para a superação dos desafios históricos, que as heranças da escravização e do coronelismo da região que marcaram a vida da Chapada. Então vimos que a superação desses desafios pelo audiovisual é uma ferramente importante. A formação de audiovisual nessas comunidades é uma aposta de autonomia desses sujeitos, dessa mobilização popular que a gente tenta promover nas nossas formações. E, também, incentivamos as populações das comunidades tradicionais a utilizar essas ferramentas, a utilizar o audiovisual de forma criativa, de forma emancipatória e de forma autônoma. 
Por isso, a nossa marca é “com a câmara na mão, os pés plantados no chão e muitos sonhos coletivos na cabeça”. A gente é igual. O cinema fala da roça para o mundo. Por quê? Por que não? Né? A gente pode falar da gente mesmo, de forma autônoma, utilizando todas as técnicas que o audiovisual oferece, mesmo que de forma simples e com poucos recursos. Na primeira turma, tivemos Edilene Payayá, que é uma liderança indígena muito forte aqui no Rio Utinga. A partir da formação, eles conseguiram fazer um curta falando um pouquinho da história dos pais. Já na segunda turma, eles conseguiram dar continuidade a esse curta, e hoje está aí, conquistando espaços, participando de festivais, participando de mostras, e isso é muito satisfatório para nós. Ficamos muito felizes de ter ampliado os horizontes dessas pessoas, de apostar nessa autonomia, desses sujeitos, deles mesmo, contar suas próprias histórias. 


Ana Oliveira:  A tecnologia é uma ferramenta poderosa de transformação. Como a ELA contribui para a formação de alunos? 

Érica Araújo: Através da nossa visão, missão e valores, tentamos semear iniciativas para a produção desses novos conteúdos a partir da autonomia desses sujeitos, da nossa, da realidade local, que é aqui, a Chapada Diamantina. Buscamos capacitar e divulgar essas múltiplas narrativas existentes na nossa região. A partir da união, igualdade e empatia, ouvindo essas comunidades. E fazemos da melhor forma para que elas se sintam autônomas para poder falar sobre seus sonhos, suas narrativas e realidade. E é isso, com uma dinâmica bem fluente, porque sabemos a conexão aqui é um pouco ruim. Por isso, o nosso projeto político pedagógico foi pensado na realidade local, como alcançar essas pessoas que moram na zona rural, para que elas possam estar tendo um conteúdo de qualidade e para fazer com que esses cursos sejam gratuitos. Em uma formação audiovisual, os cursos são bem caros e assim são fora da nossa realidade, principalmente para quem é do interior. 
Temos 13 vídeo-aulas gravadas, com as técnicas e um grupo no WhatsApp específico para cada formação. E através do aplicativo de conversas, direcionamos o conteúdo a ser passado para esses alunos.  Antes de iniciar uma formação, escutamos essas pessoas para entendermos qual é a realidade e as necessidades delas. Este material pode ser acessado tanto no canal de YouTube da TV UNEB Seabra, que é gratuito, quanto pelos links de WhatsApp e, também, tem esses cursos no nosso site www.elaaudovisual.com. 
Além disso, recentemente, disponibilizamos uma apostila e um material didático. Entendemos que nem todo mundo tem condições de imprimir, mas tendo o tal material, qualquer pessoa pode baixar e estudar. E promovemos pelo google meet uma reunião com um professor do curso para tirar dúvidas. A partir dessa inovação tecnológica que tentamos fazer todo esse trabalho de articulação entre os nossos alunos e o conteúdo queremos passar. Além disso, também tem o nosso Instagram, que é uma das ferramentas facilita neste processo. 

Produzido por Ana Paula Oliveira, aluna de jornalismo pela UNEB Campus XXII. Entrevista desenvolvida na disciplina Redação Jornalística I, ministrada pela professora Andréa Cristiana.