Aldenisse de Souza: “Trabalhamos com juventude rural na perspectiva de que o campo é do povo”

Multiciência 14 novembro 2023
Sediada em Juazeiro (BA), o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) é uma organização não governamental, que possui como missão a convivência com o semiárido, buscando soluções eficazes que respeitem as características do povo e dessa região. Algumas das ações de intervenção visam manter os jovens no campo, evitando o êxodo rural e promovendo escolas de formações para a educação para a convivência com o semiárido.

A coordenadora do eixo Educomunicação do IRPAA, Aldenisse de Souza, considera que “os jovens precisam se encantar e ter condições de viver nesse campo. Ele precisa se ver também como um cidadão que tem orgulho de ser desse lugar”.

Sede do IRPAA em Juazeiro-BA/Maria Luiza Martins.

Aldenisse de Souza Silva nasceu em Juazeiro da Bahia, é educadora, com especialização em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Começou a atuar com jovens a partir da Pastoral da Juventude no Meio Popular e foi convidada para trabalhar no Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) como coordenadora do eixo de Educação e Comunicação(Educomunicação)

Aldenisse de Souza/Maria Luiza Martins.

Confira a entrevista concedida à Débora Barros, Maria Luiza Martins e Adolpho Vianna Neto.

MultiCiência: Como funciona o processo de seleção para o jovem à república?

Aldenisse: Na república de estudantes, o jovem não vem sozinho, isolado. Ele tem que ter um perfil para ser jovem multiplicador da convivência com o semiárido. A entidade faz uma carta, indicando o jovem, que precisa ser de uma comunidade ligada ao semiárido, com família agricultora, ou vinculada à essa vivência. O IRPAA avalia e vê também outros perfis. Têm meninos e meninas na roça, separamos as vagas para moças e rapazes. Então, o jovem vem, mas ele não vem por conta dele, ele vem a convite de uma entidade.

MultiCiência: Como o IRPAA percebe a participação do jovem no campo?

Aldenisse: Nos últimos 30 anos, começou a ter uma migração da população do campo, inclusive por falta de políticas públicas de permanência das famílias nesse ambiente. Falta de terra, falta de condições no armazenamento de água, falta de políticas que fortaleçam a permanência das famílias, dos agricultores familiares. O êxodo da juventude aumentou e muitos jovens saem em busca do estudo. Até no ensino fundamental 2, ainda tem escola, depois ele tem que se realocar para alguma cidade, para poder fazer o ensino médio. Após isso, o jovem também vai em busca de trabalhos, porque no campo não tem lazer. Porém, não é que não tem. O lazer não foi propiciado pelo Estado. Também, a ideia da sucessão rural fica comprometida, porque a família agricultora, depois que o jovem vai embora, acabou ali a sua linhagem de família ligada ao meio agrícola. Então, não há uma sucessão rural, e se isso acontece vai impactar na cidade também, porque quem planta, quem cuida da alimentação. Nós temos uma frase que é “se o campo não planta, a cidade não janta”. Logo, a vida e a alimentação do campo estão ameaçadas, porque a juventude está no êxodo rural, ela está saindo por culpa do Estado, que não tem olhado pra essa realidade de campo com um jovem que gosta do lugar em que ele mora.

MultiCiência: O que acontece quando o jovem migra do campo para a cidade?

Aldenisse: Quando ele chega na cidade, ele vai morar na periferia e não no centro, vão trabalhar em subempregos, totalmente desvalorizados. Muitos jovens vão trabalhar de novo no campo, como trabalhador rural, na manga, na uva. Ou seja, ele é um sem-terra na cidade, mas ele é um assalariado. Ele vai migrar para os centros urbanos e ser mais um na multidão. Nós atuamos nisso, para ele mudar a sua realidade no campo, para que ele possa reivindicar escola de qualidade, comunicação, saúde, lazer, renda e uma vida bonita porque ali é o lugar dele. Ele tem que ser o protagonista da mudança social no campo. Trabalhamos com juventude rural na perspectiva, de que o campo é do povo. Os jovens precisam se encantar e ter condições de viver nesse campo. Ele precisa se ver também como um cidadão que tem orgulho de ser desse lugar. O IRPAA vem com essa identidade do campo bonito. Se ele estiver feio é por conta do Estado, que não garante estrada boa, educação, acesso à água, e à terra. Um jovem que vai para a política, para a comunicação, para a educação, ele tem que ocupar esses espaços, porque o campo precisa de médico, de advogado, de agricultor, de todas as profissões.

Frase de D. José Rodrigues na sede do IRPAA em Juazeiro-BA/Maria Luiza Martins.

MultiCiência: Como os eixos procuram incluir os jovens?

Aldenisse: Trabalhamos com juventude diversa, então todos os eixos têm a responsabilidade e a missão de trabalhar com juventude, seja nos estágios, ou quando têm as formações nas comunidades. Todos os eixos atuam com jovens. Por exemplo, formação na política, formação técnica, formação humana. A ideia é que todo mundo compreenda um pouco sobre o trabalho com juventude, já que juventude está na base da família, da agricultura familiar, e do semiárido.

MultiCiência: Qual o papel do jovem no eixo Educomunicação?

Aldenisse: Assim como nos outros eixos, o papel do jovem para nós é uma das nossas prioridades. Por exemplo, nós trabalhamos com jovens na linha de Educomunicação. Pegamos um público especifico, que é de juventude, para trabalhar com jovens multiplicadores de educação e comunicação. Existe também a comissão de juventude no IRPAA, que vai pensar as ações de juventude em todo o instituto. Então, nós temos a formação de liderança de jovens do semiárido e de jovens comunicadores. Assim, temáticas de juventude e de gênero são transversais. Todos os eixos precisam trabalhar com esse enfoque em jovens.

Entrevista è equipe formada por Débora Barros (repórter) e Maria Luiza Martins (fotojornalista) e Adolpho Vianna Neto (produtor de Reels)  para o Especial "Curricularização da Extensão" para Agência MultiCiência