Jovens buscam reduzir endividamento através da economia circular e investimento colaborativo

Multiciência 07 dezembro 2023

O capitalismo busca estimular o consumismo por meio da rápida produção e compartilhamento excessivo de informações a respeito de oferta de serviços e mercadorias. A continuidade desse padrão social e econômico torna insustentável a convivência entre mercado, sociedade e meio ambiente. Para reduzir esses danos, a Economia Circular (EC) tem sido alternativa para os jovens adotar novas formas de consumo e reduzir o endividamento.


Esse conceito foi inicialmente apresentado pelos economistas ambientais britânicos David Peace e Kerry Turner, em 1990, na publicação “Economia de Recursos Naturais e Meio Ambiente”. No novo modelo, Peace e Turner apontaram que o sistema tradicional era desenvolvido sem nenhum objetivo com a reciclagem, tratando o meio ambiente somente como um reservatório de resíduos e matéria prima. 


Diante dos problemas ambientais, os economistas propuseram a necessidade de contemplar a terra como um sistema econômico fechado. O novo sistema tornava as relações entre meio ambiente e mercado como uma relação circular, sugerindo um circuito fechado de fluxos de materiais. 


Atualmente, o país passa por uma reestruturação política e econômica, já que, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), em setembro de 2023, 77,4% das famílias brasileiras estão endividadas e somente 13% vão conseguir pagar as contas. Em dois estados que compõem parte do Vale do São Francisco, Bahia e Pernambuco apresentam 62,4% e 82,7% de famílias endividadas, respectivamente. 


77.4% das famílias brasileiras estão endividadas. Produção autoral.


Número de famílias baianas e pernambucanas endividadas, respectivamente. Produção autoral.

Os mais atingidos por esse processo são os jovens. De acordo com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e a SPC Brasil, 47% dos jovens entre 18 e 24 anos, a chamada Geração Z, não realizavam controle de finanças pessoais, em 2019. A pesquisa também indica que 53% dos jovens que fazem o controle financeiro ajudam com cerca de 43% de sua renda para a compra de roupas, calçados e acessórios para a família e uso pessoal. Para reduzir esse quadro de endividamento, os jovens investem no sistema da Economia Circular e suas alternativas financeiras de consumo e geração de renda.

Alternativas para gerar renda


Taxado socialmente como um local de vendas de roupas baratas, usadas e sujas, os brechós hoje passam por uma reformulação em sua estética, mantendo sua clientela e alcançando outros patamares. A estimativa feita pelo Instituto de Economia Gestão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo indica que os brechós vão ultrapassar os números de vendas do mercado de varejo de moda em 2024.


A dona do brechó autointitulado com seu nome, Madame Voodoox, explica que o mercado de brechó em Petrolina e Juazeiro está em crescimento, principalmente as lojas online, atingindo desde a classe mais baixa de clientes até as mais altas. 


“Sou um exemplo dessa mudança, quando eu era mais jovem eu gostava muito de moda e roupas, mas as condições financeiras da minha família só me deixavam aproveitar as roupas em brechós, e hoje eu sou dona de um e tiro minha renda dele”, explica Madame. A valorização desse modelo de negócio no ramo da moda demonstra uma mudança de atitude. “As pessoas estão com menos preconceito, elas enxergam que existe uma ligação com o meio ambiente e que podem formar um estilo único também”.


Madame Voodoox, estilista e brechó. Reprodução Instagram

Upcycling 

Os brechós são um exemplo de reaproveitamento, como também de moda e estilização, sendo um exemplo da prática do Upcycling. “O processo de recriar necessita de muita criatividade, então quando achamos uma roupa com avaria (defeito), que não dá pra consertar, a gente reaproveita o tecido. Recentemente eu aproveitei uma calça jeans para fazer um chapéu”, exemplifica Madame Voodoox.


Desde 2010, existe no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que regulamenta que, cada empresa, se torna responsável pelo destino das embalagens, desde sua saída da loja até o descarte do consumidor. A política se encaixa no conceito de Upcycling, projetado por William McDonough e Michael Braungart, em 2013, no qual a perspectiva de criação de novos produtos deve ter um valor igual ou superior aos materiais de origem descartados. 


Seguindo o exemplo de reutilização, Vanderson Rodrigues, conhecido carinhosamente como Vandim, do Coletivo Raízes da Periferia de Fortaleza (CE), produz produtos a partir do óleo de cozinha e objetos descartados. 


Ele explica que o projeto incentiva a comunidade a participar da proposta, fazendo uma espécie de “ronda ambiental”, onde o coletivo recolhe semanalmente os resíduos, principalmente óleos, do morador e dos empreendedores parceiros para a fabricação dos produtos da marca Eco Raíz. “Nós recolhemos os óleos e produzimos sabão em barra e velas aromáticas, e o que sobre também é reutilizado, e fazemos o detergente e um lustra móveis”.


Vanderson Rodrigues, Vandim, Coletivo Raízes da Periferia. Foto: João Pedro Tínel

O jovem ainda expõe que o apoio governamental é pontual, porém não é a principal fonte do coletivo, pois “nos beneficiamos muito de editais e intercâmbios, então sempre estamos enviando documentos e ofícios para as instituições privadas e Secretária de Cultura”. 


Preparando o Futuro


O pensamento de necessidade de mudança do sistema de produção e consumo exacerbado que desgasta o planeta é preciso ser iniciado desde a época da infância, e esse é um dos projetos da Associação do Comércio Agropecuário do Vale do São Francisco (Acavasf). A associação investe em na reciclagem dentro da cadeia do agronegócio da região, recuperando as embalagens usadas durante o processo de plantação para a fabricação de novas. 


Outro programa importante para a Acavasf são as práticas de educação ambiental nas escolas da região do Vale do São Francisco. “Nós realizamos essas práticas e fazemos dados sobre o processo, de quantos alunos participaram e os resultados, além disso promovemos gincanas culturais para reconhecer os estudantes e campanhas para conscientização”, explica o presidente da associação, Deusemar dos Santos. 


Deusemar dos Santos, presidente da Acavasf. Arquivo pessoal

O presidente expõe que o objetivo dos projetos é formar crianças conscientes do destino dos materiais e fazer com que elas pensem sempre em como pode ajudar a não piorar a situação do planeta. “O intuito é levar para o aluno ensinamentos que ele pode utilizar dentro do seu dia a dia, seja não jogar o copo plástico fora ou aprender a reciclar e como funciona a economia circular”, finaliza Deusemar. 


Investimento colaborativo


Mas além disso, o jovem pode buscar sua estabilidade financeira em ramos além do upcycling? Hoje, qualquer pessoa pode gravar um vídeo e viralizar, as possibilidades de caminhos dentro da internet são diversas, direcionadas por tendências e, principalmente, por influencers, empresas de divulgação e produção cultural.


Dentro das narrativas de produção cultural no Vale do São Francisco, existe uma perspectiva de crescimento do ramo de divulgação nesse mercado. O produtor Ita Alves, criador da FEXÔ, explica que o processo dentro desse mercado deve ser uma mistura de espiritualidade, planejamento e exercício, como também deve haver a necessidade de quem quer empreender buscar ajudar psicológica para não se desanimar durante o desenvolvimento do projeto. 




Ita Alvez, produtor cultural. Arquivo Pessoal

Ita ainda aponta que, apesar das dificuldades financeiras, os jovens podem buscar ajuda econômica de seus planejamentos em cursos e investimentos públicos, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Agência Municipal Do Empreendedor (AGE Petrolina) para começar a sua experiência empreendedora. 

Além disso, para o produtor, para mudar o sistema que emprega uma sociedade e mercado de concorrência insustentável é preciso focar em investimentos colaborativos. “A gente deve ensinar ao jovem que a colaboração é essencial, a gente cria um cenário e um mercado mais humanizado, e consegue desenvolver não só uma empresa, mas todas que estão ao seu redor”. 


Para saber mais sobre os conceitos leia o artigo “Economia Circular: Conceitos e Aplicação”, de Mario dos Santos, Fábio Shibao e Flávia Silva, e acesse as redes sociais dos projetos para conhecer seus trabalhos e produções.


Por João Pedro Tínel, estudante de Jornalismo em Multimeios.