O relógio marcava nove horas, era um dia normal em uma sala com 18 crianças e uma professora. Estava no momento de guardar os brinquedos para realizar a atividade escolar quando Aurora, de 4 anos, comenta que não vai fazer essa ação porque a mãe disse que se ela não sentisse vontade de fazer algo, não precisava. A atitude de Aurora atende ao que é chamado modelo de educação permissiva, quando pais ou responsáveis têm uma abordagem mais flexível e indulgente em relação à disciplina e aos limites.
A educação permissiva teve início no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, influenciada por movimentos culturais e sociais que buscavam maior liberdade e individualidade. Conforme esclarece Paulo Freire, no livro Pedagogia do Oprimido, este período foi marcado por uma crescente crítica aos métodos tradicionais de ensino, que eram vistos como autoritários e repressivos estabelecidos para as crianças.
Segundo a psicóloga Clara Souza, a educação permissiva pode ser considerada a que não apresenta regras ou limites na relação estabelecida sejam por pais, cuidadores ou educadores. Clara enfatiza que as crianças com educação permissiva têm dificuldades nos diversos contextos em conviver socialmente com os demais. As regras são importantes para que todos tenham espaços para se desenvolver, a exemplo de escutar o colega quando estiver falando, pedir licença ao entrar ou sair da sala, dentre outros aspectos.
Crianças educadas na permissividade se comportam impulsivamente, sem muitas vezes respeitar o tempo e o espaço que são estabelecidos a si ou aos demais. Ademar Batista Pereira Paggi e Nilson José Machado Guareschi apontam que nem sempre as crianças vão estar dispostas a reprimir um desejo para cumprir uma regra, é nesses momentos que os pais devem se apresentar como outro a quem a criança deve respeitar alguém que representa o mundo social com o qual a criança será confrontada posteriormente.
A professora da Educação Infantil, Mariana Araújo, que leciona na turma do pré II, no CMEI Maria Tereza Brennand Coelho, na cidade de Petrolina-PE, retrata as dificuldades que enfrenta no seu dia a dia, em sala de aula, com alunos que têm a educação permissiva em casa. Para a docente, é um desafio, pois a turma possui crianças com Transtornos do Espectro Autista (TEA) e a atenção maior que seria para eles está sendo para discentes que os pais não conseguem impor limites. “É impossível dar aula para o seu filho, visto que, eu não tenho como negociar com ele o tempo todo”.
A coordenadora pedagógica do CMEI, Maria Tereza Rosicleide Lima, relata que realmente há uma dificuldade com a permissividade, não apenas com os alunos, mas também com os responsáveis. Ela busca alternativas para lidar com esse estilo de educação. “Nas reuniões que fazemos e nas comemorações sempre abordamos os métodos de educar, em parceria com psicólogos, pois é um assunto que carece de muita atenção. Temos muito que melhorar, mas estamos no caminho”.
Ana Paula de Souza é mãe de Luiza, de oito anos, e não defende a educação permissiva, pois para ela uma criança ainda não tem maturidade suficiente para discernir o certo e errado, pois influencia diretamente na vida adulta. E isso é o mais grave, deteriora a visão que ela terá de autoridade, a começar pela paterna e materna podendo se estender para outros níveis de autoridade que ela deverá ser sujeita na vida adulta.
“Luiza é uma criança comum, que brinca, tem lazer, estuda, mas tem suas funções na casa: arrumar o quarto, juntar brinquedos, ajudar na limpeza, e na produção de alguns alimentos. Ela faz essas coisas não porque escolheu, mas porque foi exercida uma autoridade paterna e materna sobre ela, orientando que isso era o correto fazer”, diz Ana Paula.
A autora do best-seller ‘Enquanto Isso’ e influenciadora digital, Fernanda Witwytzky, relata que na jornada sendo mãe de três crianças, dentre vários ensinamentos sobre a criação de filhos com qual já se deparou, um deles foi muito importante para que criasse raízes: o dos limites. Segundo a escritora, crianças e pais sem limites sofrem. Fernanda publicou recentemente uma nova obra infantil com o título “É Para o Meu Bem”, abordando sobre limites. Para ela é um livro mais relevante para os pais, pois são eles o exemplo dos filhos.
A docente Janaina Souza Nunes, professora de História na Escola Municipal Professora Margareth Rodrigues, em Casa Nova, Bahia, descreve os desafios da educação permissiva com base em suas experiências em sala de aula, destacando como isso complica ainda mais a relação entre família e escola. Ela também observa que, quando o responsável pelo aluno indisciplinado é chamado à escola, alguns acabam apoiando a falta de respeito dos filhos com professores ou colegas.
Assim como Mariana, ela também enfrentou situações com alunos educados de forma permissiva, sendo uma delas especialmente marcante: uma aluna escreveu ameaças graves, como “vou te mat4r”, na prova de uma colega de trabalho. Quando a responsável foi chamada à escola, simplesmente retirou a filha da instituição, alegando que levaram a 'brincadeira' a sério demais.
A psicóloga Clara, não considera a educação permissiva um caminho favorável de desenvolvimento saudável, já que pode ser vista como uma atitude de abandono e até negligência por parte dos pais e cuidadores. Estabelecer diálogos constantes é um bom caminho para que se reconheçam as emoções e pensamentos das crianças. As regras precisam ser bem articuladas, de forma respeitosa, ensinando valores e hábitos saudáveis para boa convivência, com os familiares e a sociedade. Tudo é equilíbrio, uma educação autoritária pode também não ajudar ao desenvolvimento. Porém, é importante um estilo de educação que apresente segurança, organização de rotina, proteção e afeto.
Por Emanuele Carvalho, , em colaboração com a disciplina de Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB Juazeiro.