No coração do Sertão da Bahia, há um povoado chamado Itamotinga, área rural de Juazeiro. Lá está o mundo todo de Valdemiro Rodrigues Gonçalves. Foi lá que ele nasceu e carrega no rosto o amor e as marcas deixadas pelo sol da Caatinga. “Didi”, como é conhecido na região, é daqueles produtores rurais que aprendeu com a vida sobre cada palmo de chão, faça sol ou chuva. Nas mãos, a história de quem construiu tudo com esforço e paixão pela agricultura. Aos 63 anos de idade, ele se orgulha de sua história desde que veio ao mundo quando nem havia energia elétrica na casa da família.
“Nasci com parteira, sob a luz de candeeiro”, conta ele que foi criado na roça e desde pequeno ajudava os pais a plantar feijão, mandioca e produzir farinha para o sustento da família. Só na vida adulta foi que teve privilégio do acesso à luz elétrica. Os estudos foram feitos com dificuldades e alguns atrasos diante das dificuldades financeiras da família.
Após um intervalo de oito anos fora da escola, Didi concluiu a 8ª série do antigo ginasial em 1988. Em 1991, aos 30 anos, formou-se técnico em agropecuária pela Escola Agrotécnica de Juazeiro. Graças ao diploma, lhe surgiram oportunidades de trabalho em diversas empresas. Há pouco mais de 20 anos, deu início a um sonho: a criação do projeto da Agropecuária Santa Isabel, a 5 quilômetros da zona urbana. Tudo começou com quatro hectares irrigados e hoje somam mais de dez.
Sua produção só tem crescido com uma variedade na fruticultura incluindo manga, melancia, melão e, principalmente, uva, como carro-chefe. “A agricultura é minha paixão. Cada dia gosto mais e procuro me aperfeiçoar para atender o mercado”, afirma. A Fazenda Santa Isabel há anos vem agregando inovação tecnológica. O sistema de irrigação é automatizado e funciona durante a madrugada, aproveitando a tarifa reduzida de energia, com economia de até 70% na conta.
Foto: arquivo pessoal
“Antes, eram quatro homens por hectare. Hoje, com dois, a gente faz tudo”, ressalta. De acordo com Didi, a adoção da fertirrigação - técnica que aplica fertilizantes via água de irrigação - otimizou ainda mais o cultivo, aliando sustentabilidade e produtividade. Apesar dos avanços, o produtor que se identifica como micro empresário observa que competir como pequeno produtor em um cenário dominado por grandes empresas e produtores estrangeiros não é tarefa fácil.
Hoje a propriedade ocupa 30 hectares, sendo 6 de reserva legal e 21 agricultáveis, com 10 hectares de uva e 7 voltados ao cultivo de manga, além de melancia, melão e feijão. A produção de uva de mesa está concentrada principalmente no Vale do São Francisco, com uma área cultivada superior a 12 mil hectare. Valdemiro adianta que está se voltando para a produção de uva de mesa, cultivada especificamente para consumo in natura, ou seja, para ser consumida fresca, ao contrário das uvas destinadas à produção de vinho ou sucos.
Os desafios enfrentados na agricultura são muitos. Há cinco anos, ele perdeu 6 hectares de goiaba com mais de quatro mil pés e expectativa de colher seis caixas de frutas por planta. “Foi um investimento de R$ 150 mil. Entraram vermes microscópicos chamados nematoides, que se disseminaram no pomar. Perdi tudo o que previa faturar, não faturei”, lamentou ele que de certa forma já deu a volta por cima e aposta em parcerias com empresas maiores que já atuam no mercado internacional.
Educação e agroturismo
Além de agricultor, Didi também vem se tornando um exímio educador informal. Desde 2010, quando começou a receber visitas escolares, sua propriedade já foi destino de mais de 400 ônibus, reunindo cerca de 1.200 estudantes de quase todos os estados do Brasil. Tudo começou quando Valdemiro recebeu uma ligação de um amigo sugerindo que ele recebesse uma turma da Escola Agrotécnica do IFPE (Campus Barreiros) em sua agropecuária.
Desde então, a parceria se consolidou e, ao longo de 30 anos, dezenas de alunos, visitaram a propriedade para aprender sobre manejo na fruticultura e irrigação. "A partir dessa visita, o boato correu sobre os resultados e começou a despertar interesses de outras instituições", lembra Valdemiro.
Diversas caravanas da maioria dos estados do país reunindo turistas, empresários, produtores e representantes de várias instituições já circularam pela fazenda sob a coordenação de Valdemiro e sua equipe. Ele também faz o aparato da comunicação empresarial ao produzir conteúdos sobre as visitas e outras atividades para o Instagram. "Para conquistar o turista, é preciso ter o produto e a história. Muitos que vêm visitar me acharam pelas redes sociais socias", observa
Para Valdemiro, cada visita é uma oportunidade de troca e de possíveis negócios, ao tempo que ajuda produtores de outras regiões a conhecerem nossa complexidade agrícola. “O que eu não souber responder, gravo e depois procuro. Hoje, o celular virou minha biblioteca”, conta. O nome da fazenda é uma homenagem à mãe: “Isabel era uma santa, a melhor do mundo”, diz, emocionado. Na Santa Isabel, Didi transformou a roça em espaço de aprendizado, acolhimento e troca de saberes.
Nas postagens de sua rede de comunicação, ele registra os momentos com fotos e vídeos no campo. Também reflete sobre os desafios da agricultura familiar no Vale do São Francisco, uma das regiões mais produtivas do Brasil. Em meio a tecnologias de ponta e concentração de renda, Didi acredita no caminho oposto: o da partilha. “Tem que ter coragem, visão e amor pelo que faz. Aqui é plantar no sol, colher na chuva e aprender o tempo todo”.
Reportagem produzida na disciplina de Redação I, sob orientação do professor Emanuel Andrade.
Por Amy Ferreira e Júlia Araújo, estudantes de Jornalismo em Multimeios.