Estimular pesquisas com a temática de gênero nas
universidades é o desafio que deve envolver alunos, pesquisadores e professores
da área da comunicação. Esta foi a principal contribuição do XX Congresso
Regional das Ciências da Comunicação – Intercom Nordeste 2018, realizado no
Departamento de Ciências Humanas, campus III, da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), nos dias 5 a 7 de Julho. O Congresso reuniu mais de 1 mil
participantes de todo o Nordeste.
A discussão sobre gênero foi iniciada na
Conferência de Abertura pela pesquisadora e professora da Universidade Federal
da Bahia, Maira Kubik Mano, que enfatizou a importância da temática discutida
no evento para estimular pesquisas na área e produzir dados e, assim,
proporcionar um enfrentamento das desigualdades relacionadas à questão de
gênero. “Seria fundamental que o Estado pudesse fazer um mapeamento desses
problemas para que a gente pudesse pensar em políticas públicas para
enfrentá-los”, ressaltou.
Pesquisadores também refletiram sobre a temática nos
grupos de discussão, na apresentação de trabalhos durante a Exposição de
Pesquisa Experimental em Comunicação – Expocom e na mesa redonda “Os Estudos em
Comunicação e a (Des) Construção de Desigualdades de Gêneros, com a
participação de pesquisadores e militantes do movimento Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Travestis e outros gêneros (LGBT+). Para a transexual e estudante
de Pedagogia, Maria Clara Araújo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
as várias lutas e reivindicações traçadas durante anos pela comunidade LGBT+ e
as mulheres permitiram conquistas sociais, como direito ao voto feminino na
primeira metade do século XX ao direito fundamental à identidade de gênero como
a mudança de sexo no registro civil sem a necessidade da pessoa fazer a
cirurgia ou autorização judicial, como regulamentou o Supremo Tribunal Federal
(STF) em março deste ano.
“Apesar dos vários avanços, muito ainda deve ser
feito para desconstruir estereótipos na sociedade pelos meios de comunicação de
massa, que influenciam a sociedade e têm o dever de pensar em alternativas que
viabilizem e representem causas sociais”, declara Maria Clara Araújo. Ela
ressaltou ainda que a defesa dos direitos humanos para transexuais, travestis e
outros gêneros não existem sem que haja o combate às desigualdades e ao
racismo. “É preciso discutir que o racismo é estrutural e estruturante, e não
vai ser a ‘branquitude’ que vai defender os direitos de travestis, por
exemplo”.
As mídias também têm o dever de esclarecer e
mobilizar a sociedade para discutir os direitos da comunidade LGBT+ para trazer
experiências e mostrar que as pessoas de diversos gêneros podem concluir o
ensino superior, encontrar alternativas de renda e não recorrer ao trabalho
sexual como meio de sobrevivência. Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Educação e Estatística (IBGE), apenas 2% das travestis estão nesses espaços
universitários. A desigualdade também é presente no universo feminino. Mulheres
ocupam apenas 37% dos cargos de hierarquia e poder.
Para a jornalista e advogada, Lícia Loltran, autora
da obra “Família Homoafetivas: a insistência em ser feliz”, a mulher deve lutar
para conquistar seus direitos e quando se discute gênero é necessário incluir
questões relacionadas à mulher negra, travestis e a intersexualidade. “No
livro, quis visualizar algum tema relacionado a causa LGBT. Como mulher
lésbica, já vinha lutando e quis me aprofundar sobre formar uma família e como
vivem essas famílias. Às vezes, muitas de nós passamos por muitas lutas quando
ousamos exercer nosso direito de constituir uma família”.
Para a pesquisadora e professora da Universidade do
Estado da Bahia, Carla Paiva, no momento atual é imprescindível repensar a
forma de fazer ciência na comunicação. “É preciso utilizar o gênero como uma
estratégia metodológica de análise para desconstruir estereótipos. Quantos de
vocês conhecem uma banca que aprovariam um tema sobre gênero? Na defesa do meu
doutoramento sobre a representação das mulheres no cinema brasileiro, fui
acusada de apresentar uma tese militante. Tive que lembrar aos meus colegas que
a academia é um espaço político e que os estudos feministas revolucionaram a
crítica cinematográfica, desde os anos 1960. Acredito que o Intercom não vai
mais permitir que os estudos de comunicação tangenciem as discursões sobre
desigualdades de gêneros. E é necessário incluir disciplinas nos currículos que
abram caminhos para que a juventude reconheça valores nas diferenças existentes
na identidade, raça e questões sociais”.
Durante a mesa redonda, foi ainda ressaltado que a
conceituação de papéis de gênero e LGBT+ faz referência há um conjunto de
expectativas sobre as condutas ajustadas e nitidamente distintas que a pessoa
deverá manifestar, conforme a sua identidade de gênero, a qual deve ser vista
como uma construção social, e não algo biológico ou determinado por pensamento
ideológico ou religioso.
Expocom - Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação.
Os estudantes também percebem da temática como algo
importante a ser discutido, para Jayanne uma das vencedoras do Intercom
Nordeste 2018, apresentar produtos que tratem e viabilizem o gênero é algo
importante “Apesar de estarmos abordando uma situação comum na maioria das
cidades brasileiras, aqui na região tem uma especificidade, pois o número de
mulheres no exercício da prostituição teve um grande aumento no contexto da
construção da barragem de Sobradinho, quando centenas de famílias foram
desalojadas e mulheres se deslocam para Juazeiro e acabaram se prostituindo.
Então, é uma oportunidade de mostrar a realidade da nossa região para
comunicadores de todo o país. Nesse sentido produzimos uma rádio reportagem que
tenta promover o debater com mulheres que sempre viveram a margem da sociedade,
para descolonizar o nosso olhar estereotipado, além de apresenta-las como
sujeitos ativos para relatar sua própria história, concluí”.
Repórteres:Moisés Cavalcante/Patrícia Rodrigues
Repórteres:Moisés Cavalcante/Patrícia Rodrigues