A formação docente em tempo de pandemia

Multiciência 25 junho 2020




Muito tem sido dito sobre a escola, os problemas que têm enfrentado com o fechamento dos espaços físicos, o ensino remoto ou a falta dele e, nesse contexto, a necessária formação de professores. Este é o desafio da Coluna de hoje, refletir essa problemática, que nos aproxima a algumas questões que consideramos relevantes nessa época de pandemia. Importante ressaltar que ao abordarmos o tema, temos consciência da complexidade que o envolve e de tantas vertentes que podem suscitar. Assim, partiremos da formação que os docentes necessitam para um ensino-aprendizagem remoto mais efetivo, uma vez que não se pode dispor diversamente.

Sabemos que o ensino neste formato não é tão recente, nem advindo do acesso às tecnologias digitais, o qual utiliza-se do formato da modalidade a distância para propor e difundir as atividades remotas. Fazendo uma breve busca na memória, nos anos 70, na parte central das revistas, incluindo os gibis da época, aparecia a propaganda do Instituto Universal Brasileiro (IUB), que como dizia em anúncio, possuía “50 anos de experiência dedicados ao Ensino à distância”, que utilizava os correios para a distribuição dos materiais educativos em lugares tão diversos e longínquos.



Além do IUB, um pouco mais recente, destacamos o TELECURSO, que nada mais era do que conteúdos gravados e reproduzidos pela televisão com momentos de avaliação. Mas, tanto no caso do IUB como do TELECURSO, quem eram os professores? Atores, pesquisadores de conteúdos, empresários.
De lá para cá, ocorreram mudanças significativas no Ensino a Distância (EaD), tanto nos avanços tecnológicos como na metodologia dos professores, apesar das críticas e limitações percebidas até os dias de hoje nos formatos propostos, muitos dos quais, a centralidade não está no processo formativo, relações e construções de conhecimentos, além do ‘restrito’ conteúdo. Equívoco visto em muitas das atividades remotas, ou seja, o ‘foco’ no conteúdo, subjugando outras dimensões de uma educação plena.

No contexto atual, o modelo torna-se fundamental para uma formação na diminuição de distâncias e tempos de acessos, pensado a partir de uma ideia de globalização e inclusão num mundo mais ‘coeso’ pelos problemas que o acomete em escala global. Entretanto, não podemos pensar em transpor o ensino presencial para a EaD sem uma formação que atenda a complexidade que envolve as especificidades dos diversos segmentos educacionais. Pois, são linguagens e metodologias distintas e, para isso demandam planejamentos diversificados. Com a pandemia, de um dia para o outro, todos os professores precisaram rever suas aulas e propor um ensino remoto, causando dúvidas, ansiedades, angústias de como fazer. Da Educação Infantil ao Ensino Superior, professores passaram a estudar a melhor maneira de ministrar uma aula à distância e interagir com seus alunos.

Em pesquisa recente, ainda em andamento, com pais, estudantes, gestores e professores, foram distribuídos questionários pelas redes sociais, dos quais retornaram 106 respostas relativas aos professores. Aqui destacamos duas das perguntas realizadas para refletir a formação enunciada. A primeira é: Tem recebido apoio ou formação para a realização das atividades remotas?

Percebemos com as respostas dos professores, que dos 106 questionários devolvidos, 48 consideram receber apoio ou formação para a realização das atividades remotas, 9 dizem só receber apoio e não formação, algumas vezes de colegas, outros 7, mais ou menos ou parcialmente apoio e formação e 33 docentes foram categóricos em afirmar que não recebem apoio nem formação. Destacamos algumas das respostas abaixo:

Algum suporte, digamos, emocional, mas nada substancial. (P 26) 
Não, na realidade tudo é novo para todos. Mas, estou aprendendo a superar meus desafios diante dessa emergência educativa. (P48) 
Não. A gestão Escolar está nos apoiando como podem, mas formação mesmo. Nenhuma(P93)

Como disposto anteriormente, a EaD exige uma abordagem diferente do ensino presencial e a formação para que o docente possa torná-lo possível é fundamental. Perceber que 50% dos docentes, nesta pesquisa, ministram aula sem uma formação adequada nos faz refletir sobre o objetivo do ensino-aprendizagem neste período. Assim, passamos à segunda questão aqui apontada: Quais dificuldades tem encontrado?

Esta questão aclarou um problema que não cabe ao professor solucionar, mas causa muita preocupação. Das respostas recebidas, 41 delas citavam nas dificuldades encontradas a falta de acesso à internet para todos os alunos e entendemos que, em consequência dessa ausência ou ineficiência, 15 professores indicaram como dificuldade a participação dos alunos. Apenas 9 docentes falaram sobre conhecimento de tecnologias e 2 sobre a falta de formação, como visto a seguir: 

Dificuldade de acesso à internet da comunidade, falta de habilidade tecnológica de todas nós profissionais da educação, sobrecarga feminina (mães, professoras), saúde mental das pessoas, desigualdade social, principalmente em relação a fome das crianças e suas famílias. (P81) 
O acesso de todos os alunos às atividades. Muitas famílias saíram da comunidade para outras cidades do interior( P 31) 
A dificuldade é fazer todos acessarem a plataforma, tem muitos alunos que não têm acesso a internet (P. 16)
Entendemos que o acesso à internet é fundamental para que alunos e professores cumpram seus papeis no ensino-aprendizagem. Esta é uma questão que está colocando em pauta a disparidade social e nós, como sociedade, temos que levantá-las. Sem acesso a internet e/ou outros meios, os professores e estudantes não conseguirão acompanhar este processo remoto. O problema é tão urgente que mesmo não sendo considerada a formação em 33 respostas, apenas 2 professores reconheceram como dificuldade este ponto.

Percebemos pelas experiências e respostas, que os alunos querem mais interação no ensino remoto. Assim como na sala de aula, já não cabe mais um professor que transmita apenas o conteúdo, precisamos de educadores que instiguem no aluno a criticidade e a reflexão. Além disso, na EaD é importante a autonomia deste estudante e esta qualidade deve ser mediada pelo professor.

Mas como falar de autonomia e interação em etapas como Educação Infantil ou Fundamental I? Como falar de autonomia e interação de um dia para o outro, sem planejamento ou objetivos claros, dentro de uma sociedade fragilizada pelo COVID-19?

Portanto, consideramos:

• O que tem sido proposto são atividades remotas, que diferem da modalidade organizada, planejada e com o rigor necessário que precisam as propostas em EaD;

• A promoção de atividades neste formato não exclui a presença e acompanhamento do professor, por isso, faz-se necessário pensar os modos e formatos em criação no calor do momento que é emergencial;

• Precisamos de atenção às investidas mercadológicas que insistem em afirmar e difundir que apenas o repasse dos conteúdos e respostas destes, são suficientes à educação nos diversos segmentos de ensino;

• Nunca, as tecnologias substituirão os professores, pois a educação não pode ser reduzida à interação através de aparatos maquínicos, é muito mais que isso, é principalmente, vínculo, pensamento, coletividade, criticidade e criação dos processos do humano. Os conteúdos são importantes, mas não os protagonistas, as pessoas é que o são;

• É preciso pensar e propor ‘novos/outros’ modos de interações diversas para (re)pensar a formação docente, uma vez que o acompanhamento é preciso acontecer agora e em continuidade, afinal nem o tempo, tampouco a educação param.

Por isso, o convite para (re)pensar a formação continuada de professores.


Legenda: P(N..) - Professor + resposta

Artigo produzido pelas responsáveis e organizadoras da Coluna Polifonia


Adriana Maria Santos de Almeida Campana
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. Email:didacampana@yahoo.com.br.



Edilane Carvalho Teles
Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail: edilaneteles@hotmail.com




Ilustração: Melo, estudante de Jornalismo em Multimeios