Nazarena foi o primeiro amor de Gonzaga, mas sem o sentimento recíproco do pai da mocinha, coronel Raimundo Olindo. A mãe do cantor, “dona” Santana, também não aceitava o romance porque Gonzaga era pobre e Nazarena rica. Algumas confusões desfizeram a ideia do romance que não começou bem. O tempo passou e anos depois, só em 1980, em um show no Mato Grosso, o artista a reencontrou, mas seu coração já estava congelo em nome de outra paixão. Ao lado de Maria Edelzuita Rabelo, ele buscou forças que lhe restavam no tratamento de sua doença. Só que inúmeros obstáculos impediam o relacionamento, pois além da distâncias os dois tiveram de viver um amor de raras aparições públicas, pois o sanfoneiro ainda era casado com Helena. Em 1988, o artista se separou da esposa e não mais escondia seu relacionamento com “Zuita”, como ele a chamava. No começo, houve arranhões para todos os lados, mas anos depois, o “apaziguador” Luiz Gonzaga se encarregou de unir as duas que cuidaram dele no tratamento até à morte.
O fato é que Gonzaga sempre viveu contrariedades na vida artística e familiar. Era amado por milhões de brasileiros, mas teve relacionamento conturbado com a esposa Helena e com os filhos Gonzaguinha e Rosinha (essa adotada pelo casal). O compositor Gonzaguinha foi o pivô de crises de ciúmes por parte de Helena. Apesar da fama, a vida pessoal de Gonzagão nunca chegou perto do berço de carinho que teve dos pais Januário e Santana, no Sertão.
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Luiz junto com a esposa Helena e a filha Rosinha. Foto: Site Luiz Gonzaga |
O ritmo era conhecido do povo nordestino, só não havia uma letra, conforme declarou Luiz Gonzaga à jornalista e escritora francesa Dominique Dreyfus: “Como grande parte das melodias de Luiz Gonzaga trouxera para suas parcerias, “Asa Branca” fazia parte do repertório tradicional do Sertão. Ele sempre ouvira seu pai tocar essa música no fole, inclusive às vezes até cantarolar: Asa Branca foi-se embora/ Bateu asa do Sertão/ Larará não chore não... [...] O povo escutava e ia improvisando, completando a letra a partir do mote dado por Januário...”
Januário, pai de Luiz Gonzaga: Foto: Blog No maior Tarrabufado |
imagem triste lhe queimasse até os olhos e ele pudesse ver a onda de calor que emanava. A metáfora utilizada compara a terra à chama de fogo ardente para enaltecer a intensidade da seca. Na sequencia, os versos do refrão seguem mostrando-se um homem sério e digno de fé, proclamando ao divino misericórdia pelo sofrimento, mostrando sinais de esperança, resignação e mostrando-se merecedor de suas bênçãos: “Eu perguntei a Deus do céu, ai / Por que tamanha judiação. É fato que aqui, o cantor expressa sua compaixão que já vem da sua vivência com o sofrimento de seu povo. A família de Luiz Gonzaga chegou a pedir ajuda a ele devido à seca do Nordeste.
No verso seguinte, a letra expõe a dualidade entre a seca e a água e continua com a metáfora entre elas: “Que braseiro, que fornaia/ Nem um pé de prantação/ Por falta dágua perdi meu gado/ Morreu de sede meu alazão”. Não só nessa música, mas em outras Luiz Gonzaga sempre externou esse cenário de morte, muito comuns em tempo de seca com animais caídos em cenas desoladoras. A asa branca é uma ave que simbolicamente representa o movimento, a desertificação. Quando ele diz: “Inté mesmo a asa branca/ bateu asas do sertão”, quer dizer que ela também fugiu da seca. Sinal que aquele lugar já não tinha mais nada para garantir a sua sobrevivência.
Eis que a composição insere a virtude da honestidade trazida no seguinte trecho: “Depois eu disse, adeus Rosinha/Guarda contigo meu coração”. No movimento de migração, muitos homens deixavam suas esposas e iam tentar a vida na região Sul. Essa virtude de fidelidade à mulher amada era muito comum, o que dava uma caracterização que expunha a verdade dentro da realidade comum e que acontecia muito. Quantas famílias sentiram a dor da saudade e da despedida para tentar uma vida melhor na “cidade grande”.
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Gonzaguinha e Luiz: reencontro na década de 80 |
Os versos seguintes reforçam o ideal de vida melhor e volta para a sua terra natal: “Espero a chuva cair de novo/Pra mim vortar pro meu sertão”. O poeta agrega a ideia de que no futuro dias melhores estarão por vir com a chegada da chuva e que deverá fluir para que a agricultura se torne próspera. “Quando o verde dos teus óio/Se espaiar na prantação/ Eu te asseguro não chore não, viu/ Que eu voltarei, viu/ Meu coração”. O discurso presente nos versos da Asa Branca representam o povo e ganhou domínio público tendo o sertanejo no centro de todo esse panorama de seca e da fé que clama pelo fim do sofrimento e se desdobra na esperança por chuvas e fartura agrícola
Por. Coluna Do Texto ao Texto (Letras e sons) por Emanuel Andrade, jornalista, professor do curso de Jornalismo em Multimeios e Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como Repórter no Jornal do Comércio e foi pioneiro no jornalismo cultural na região, ao assinar a coluna de Literatura e Música para o Gazzeta do São Francisco na década de 1990 e para rádios do Vale do São Francisco.
Fontes:
Livro: Vida do Viajante “Saga de Luiz Gonzaga” – Dominique Dreyfus
Dissertação: Luiz Gonzaga: O Éthos do Rei do Baião: Flávia Gomes Evangélio
Arquivo de Fotos:
Blog No Maior Tarrabufado
Site: Luiz Gonzaga