Manhã de quinta-feira. O sol ainda tímido, escondia seus majestosos raios cor de fogo entre a espessa camada de nuvens. Dezenas de pessoas, em um vaivém de trajes coloridos, exercitam-se, conversam alegremente e se preparam para tomar banho nas correntes de água gélidas que invadem as passarelas da caminhada. O cenário desperta curiosidade e atrai olhares entusiastas para a cheia repentina do Rio São Francisco na Orla Nova de Juazeiro (BA).
A paisagem, como que desenhada por um artista experiente, enche os olhos e prende a atenção dos que passam por aquelas bandas. A aquarela de tons azuis, branco, verde e amarelo é um convite à contemplação. Cada elemento naquele lugar ganha destaque: os paredões de pedra pintados, agora inundados pelo flúmen; a imensidão anil das águas espelhando a dança das nuvens no céu; o revoar inventivo dos pássaros que batem suas asas com animada inspiração. Até a Ponte Presidente Dutra, com seu cenário contrastante de carros, motos, ônibus, caminhões pipas d’água e vans de viagem, aparenta querer fazer parte do aprazível quadro.
Não se sabe ao certo se o horizonte apresentado, que mais afigura obra de arte, é fruto de mãos divinas, das intempéries da natureza ou mesmo da combinação de artefatos arquitetônicos produzidos pelo homem. A atmosfera parece carregar consigo um pouco dos três criadores. Como uma pintura famosa, exposta nos grandes museus e salões de artes, a imagem que se mostra a frente, causa espanto e admiração, amontoa cabeças humanas e captura olhares de espectadores curiosos para a visualização da cena.
– Olha papai, que lindo, que lindo, diz uma garotinha puxando insistentemente a mão de um homem de cabelos grisalhos, que já passava da meia idade.
– É sim filha, o rio está cheio. Mais cheio que costume, não tanto como antigamente, mas está, diz o experiente senhor.
A garota dá pulinhos dentro da água, tamborila os dedos pequeninos no rio, balança a mão para lá e para cá, encharcando um pouco a si e ao homem.
– Por quê o rio está cheio agora?, pergunta a menina observando o pai com um ar indagativo.
Faz-se breve silêncio, enquanto os dois, pai e filha, parecem devanear em pensamentos. O senhor logo acha graça da situação e rompe a quietude:
– Ah! O rio é pra ficar assim na verdade. Tem uma lenda que diz que uma indiazinha de uma tribo chorou tanto, mas tanto, com saudades do namorado, que suas lágrimas deram origem ao rio.
O pai continua em tom brincalhão:
– Sabe filha? Eu acho que a indiazinha deve está chorando muito agora, e cá estamos nós, inundados até as canelas.
A filha acha graça da história e cai na gargalhada. Ri até a barriga doer e os olhos lacrimejarem. O pai se deleita com a situação, enxugando as lágrimas felizes que lhe escorrem no rosto.
Um grupo de jovens brinca logo a frente, jogando bola num improviso de polo aquático. Um outro grupo, a maioria com os corpos submersos, apenas as cabeças aparecendo, diverte-se tirando fotos dos rostos sorridentes. Outros pingados, estão por perto, descansando no extenso gramado verde, com o olhar pairando em frente.
– É lindo papai, diz a menina fitando o além.
Os pés pequeninos chutando a corrente de água que lhe alcança as pernas.
– Parece uma pintura, parece um quadro.
– Parece sim, responde o pai, acenando com a cabeça, reflexivo com o comentário da garotinha. Parece um quadro em movimento, ele acha graça da sua observação. Nele, os indivíduos podem participar e a natureza interferir, os galhos das árvores balançam, as águas vem e vão, as pessoas conversam e caminham. Parece um quadro, e a pintura é a vida real.