Audiovisual no Vale do São Francisco promove mudanças na imagem do cinema nordestino

Multiciência 06 setembro 2022

Por meio da criatividade e inovação, profissionais do audiovisual independente do Vale do São Francisco investem na criação de  narrativas regionais que apresentam o Nordeste diferente da imagem de pobreza que a grande mídia retrata.

Fernanda Walentina, estudante de psicologia e produtora independente, de 23 anos, buscou mergulhar na ancestralidade que habita a história da sua família, de origem negra e indígena. “Fiz um documentário buscando a origem do meu avô, para isso viajei até a serra do Ororubá, onde ficam os indígenas da etnia Xucuru, com uma câmera emprestada, um tripé e um fone de ouvido e deu certo”, conta Walentina. 



O roteirista, produtor executivo e diretor da WW filmes, Wllyssys Wolfgang leva a história da sua região para todo o país. “O audiovisual tem o poder de dialogar com todos os públicos, de todas as idades, alfabetizados ou não”, observa Wllyssys. O diretor também é um dos coordenadores  Cine Caatinga, projeto que colabora para a formação de produtores audiovisuais locais e também é um espaço para a exibição de filmes que enaltecem o bioma do local. “Investir em formação é algo crucial nesse momento”, relata, com firmeza.


Para a profissional de relações públicas, professora e pesquisadora das representações sociais e identidade de gênero, sexualidade e Nordeste no cinema brasileiro e audiovisual, Carla Paiva, o Nordeste produz cada vez mais filmes, através da expansão e consolidação dos cursos de cinema na região. “As produções exploram diversas temáticas sociais e não somente aquele estereótipo de seca e fome que, ao longo do tempo, nos acostumamos a ver e apontar como signos da nordestinidade”, afirma.

O surgimento de produtores regionais auxilia na ruptura do imaginário de fome e miséria que é perpetuado na imagem do Nordeste, produzido pelas agências de comunicação e telenovelas. Nas produções audiovisuais regionais, a região é apresentada através de uma narrativa de quem nasceu na região e de uma perspectiva de pertencimento ao local.

O diretor de fotografia e editor, Fernando Pereira, começou sua trajetória na produção de conteúdos audiovisual ainda adolescente, através de projeto que disponibilizava oficina no bairro onde morava. Desde lá, começou a entender o audiovisual como um espaço para conseguir projeção profissional e passou a investir na área.

O editor procura inserir a juventude no cenário do cinema, apresentando a possibilidade da construção de uma narrativa regional e contextualizada à realidade local. “Quem é de fora acredita que nós sobrevivemos à caatinga, quando, na verdade, nós convivemos com ela, entendendo os períodos de chuva e seu funcionamento, moldando nosso mercado e economia através dessas informações e compreendendo a importância desse bioma”, descreve Fernando Pereira.

Para o produtor, a maior dificuldade na região é o acesso aos materiais tecnológicos adequados e formações para introduzir a juventude no cenário da produção multimídia. “Criatividade e potencial aqui nós temos, os equipamentos não definem a qualidade conceitual do filme, mas ajudam na estética, bons equipamentos irão garantir que o produtor independente consiga um bom acabamento no seu filme”, explica o diretor.




Caminhos para o levantamento de recursos
 
Os produtores independentes buscam estratégias para alavancar a produção, como o uso de recursos próprios, no qual o produtor é responsável pelos equipamentos e toda a produção, e o fomento público para promover a cadeia produtiva do audiovisual.
Um exemplo é a Lei Aldir Blanc de incentivo à produção cultural, aprovada em 2020, que destinou recursos para a cultura e arte de forma emergencial. Em Pernambuco, o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) publica anualmente edital de seleção por meio de um fundo destinado às diversas linguagens artísticas, movimentando a economia criativa.
Há uma tendência em visualizar a produção audiovisual como uma atividade secundária, o que desvaloriza os profissionais do setor cultural. São diversos profissionais que trabalham para a eficiência do filme, desde os trabalhadores de apoio, figurino, transporte, sonoplastia, elenco e produção. “É importante a profissionalização da área, para conseguir pagar as pessoas que trabalham conosco.  A falta de recursos gera dificuldade na busca por profissionais qualificados, já que eles não se dedicam totalmente naquele eixo por precisar trabalhar em outras áreas”, enfatiza Wllyssys Wolfgang.
O terceiro e menos conhecido caminho é o das empresas privadas, que lançam esporadicamente campanhas políticas que incentivam a produção independente.

O Avanço da tecnologia e a expansão das produções regionais

Com o avanço da tecnologia e o barateamento do acesso às novas ferramentas, mais talentos foram descobertos. Através das redes sociais, pessoas que nunca imaginaram produzir conteúdo passaram a criar e postar suas narrativas. O celular que carregamos para todos os lugares, além de todas as funções que possui, passou a ser instrumento de difusão de arte e ajuda no processo de democratização das produções independentes.
Um dos fatores responsáveis pela democratização do audiovisual independente é o aumento das plataformas de streaming, que favorece a criação de produções  organizadas e orgânicas, já que representam um local de acesso facilitado para a vinculação desses filmes. Além disso, a expansão do cinema e dos festivais proporciona um maior número de possibilidades para que os filmes circulem por diversos espaços. “Há pouco tempo, para serem reconhecidas como produções cinematográficas, os produtos audiovisuais precisavam ser exibidos em salas de cinema. Atualmente, sem essa obrigatoriedade, as produções nordestinas circulam por outros locais do país, dando maior visibilidade ao que é realizado na região”, afirma a Carla Paiva.
A cada ano, mais filmes independentes têm mostrado o potencial em festivais e mostras audiovisuais. Os filmes que retratam a diversidade do povo brasileiro ganham espaço nas diversas plataformas disponíveis, funcionando como um instrumento de esperança e de transformação da realidade local.

 

Por Gabriela Caboclo, estudante de Jornalismo em Multimeios. A reportagem foi produzida sob a supervisão de Andrea Cristiana e Andrea Meireles, na disciplina Redação Jornalística II. 

E-mail: <gabrielacaboclo@hotmail.com>