A perda de marcos históricos em nome do desenvolvimento e a
batalha contra o esquecimento da história das duas cidades.
Ao atravessar a ponte que liga as cidades de Petrolina e
Juazeiro, era comum ver os trilhos da antiga estação ferroviária, construída em
1896, em Juazeiro, uma marca do início da história da cidade. Agora, no ano de
2024, esses trilhos já não existem mais, foram retirados para construção do
anel viário, com o objetivo de criar novas vias urbanas para descongestionar o
trânsito. Os trilhos eram os últimos remanescentes da antiga estação, a memória
de uma construção que foi parte essencial da história das duas cidades. Agora,
resta apenas a lembrança.
Assim como os trilhos e a antiga estação, existem outras
construções em Juazeiro e Petrolina que sofreram o mesmo processo de degradação
e de abandono. Edifícios como o prédio da Sociedade dos Artífices Juazeirenses,
que está parcialmente deteriorado, devido a um desabamento, e a sede da
Sociedade 28 de Setembro, que está em processo de deterioração. Prédios que
documentam a história da cidade, agora em processo de completa ruína.
Esse cenário tem se tornado comum na região. O urbanista,
pesquisador na área de proteção patrimonial, e professor da Universidade
Federal do Vale do São Francisco, Sérgio Motta, afirma que é importante
preservar esse patrimônio, para preservarmos nossa memória, para não esquecer
quem somos, saber porque estamos e como chegamos aqui, e permitir que as
próximas gerações também possam usufruir dessa identidade através das
construções.
A falta de recursos e o descaso ameaçam a integridade de
edifícios, casas, ruas e praças que carregam grande parte da história das duas
cidades. A pressão pela urbanização e a expansão econômica vem muitas vezes
colocando o patrimônio histórico em segundo plano. Casas e edifícios antigos
substituídos por construções modernas, memórias apagadas no argumento de ser
algo em nome do progresso.
Atualmente, a conservação do patrimônio material e imaterial
está limitada a iniciativas isoladas, com a manutenção de acervos, como o Maria
Franca Pires, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e a criação de ações
por parte de pesquisadores e estudiosos da área. Isso se deve a falta de
atenção e descaso, por parte da prefeitura e do governo na região. “Esse é o
grande problema, não existe um órgão executivo que coordene, planeje e execute
a proteção e preservação do patrimônio”, relata o professor Sérgio Motta.
Em Petrolina, o trabalho de preservação e proteção patrimonial da cidade está nas mãos da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Porém, os registros recentes desse tipo de ação estão no nome da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), que cuida de ações de preservação em todas as cidades pernambucanas. Não há registros públicos recentes que indiquem ações que a secretaria tomou, em relação ao cuidado com o patrimônio de Petrolina.
Hoje, infelizmente, não existe um órgão ou lei específica
responsável pelo patrimônio histórico, e acredito que também não tenha algo ou
alguém que registre as ações de preservação, tombamento, ou qualquer coisa
relacionada a esta área”, é o'que ressalta o professor Moisés Almeida, doutor
em história pela Universidade de Pernambuco.
Enquanto a secretaria não realiza ações de preservação,
proteção ou revitalização, cada vez mais construções antigas de Petrolina vão
correndo risco de arruinamento, seja pela ação do tempo ou pela vandalização.
Esse é o caso das Construções da região da cidade conhecida como Petrolina
antiga, que perduram há mais de 100 anos, e que atualmente encontram-se sendo
consumidas pela ação do tempo.
Já em Juazeiro, proteger o patrimônio está como responsabilidade do poder público municipal, mas essa responsabilidade fica só no papel, na medida em que nenhuma ação de preservação é tomada. “Não há um setor que cuide do patrimônio, Há uma responsabilidade de uma secretaria, mas você não tem o organograma, o departamento e o cargo, então é algo que ficou a nível de responsabilidade, mas nunca teve uma ação sistêmica”, relata Jomar Benvindo, membro da Comissão de Patrimônio e Memória do Conselho Municipal de Cultura de Juazeiro.
Essa comissão de patrimônio e memória é a principal
responsável pela tentativa de manter viva a memória expressa nas construções
histórias da cidade, com o desenvolvimento de projetos de preservação Estas
ações, assim como a comissão num todo, não possuem financiamento, como afirma o
professor Sérgio Motta, membro desta comissão, quando diz que todos os membros
da comissão são pessoas que se dedicam gratuitamente a esta ação, movidos pela
vontade de manter viva a história da cidade paras futuras gerações.
Além dos incentivos financeiros, outro grande desafio da implementação das iniciativas de proteção patrimonial é o apoio da população, “O patrimônio tem importante contribuição e ela precisa ser percebida, essa é uma fragilidade, as pessoas não conseguem identificar isso, porque também nunca foi criado um ambiente para que pudessem perceber”, declara Jomar Benvindo. O envolvimento das pessoas é ação importante para ajudar a implementação das iniciativas que estão sendo desenvolvidas, mas muitas nem sabem dessas ações, ou não conhecem a história por trás das construções históricas da região.
Mesmo com todas as limitações, ainda existem ações de
revitalização que tiveram resultados positivos, como é o caso da antiga
edificação usada como setor administrativo da Companhia de Navegação do São
Francisco. O espaço, localizado na Orla II de Juazeiro, foi fundado no fim do século
19, e estava há mais de 20 anos sem funcionar, mas passou por um processo de
restauração arquitetônica. Agora conhecido como Vila Bossa Nova, tornou-se
centro gastronômico, mas ainda alcança a mesma finalidade, de uma forma mais
respeitosa que outras que passaram por modernização.
O futuro da proteção do patrimônio histórico da região de
Petrolina e Juazeiro ainda é incerto, mas para manter viva essa história, é
necessária a ação da comunidade, para dar voz às iniciativas e chamar a atenção
do governo para essa questão. Cada edifício, cada rua e cada praça carrega uma
história que merece ser contada. Afinal, proteger esse patrimônio é manter viva
a possibilidade de construir um futuro consciente e enraizado em valores e
tradições que nos definem como povo.
Por Lucenildo Junior, em colaboração com a disciplina de Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo em Multimeios da UNEB Juazeiro.