Identificação de clima árido levanta reflexões sobre preservação da Caatinga

Multiciência 04 maio 2024

No início do ano de 2024, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) identificaram pela primeira vez uma região de clima árido no Brasil. O trecho ocupa 6 mil km² no centro norte da Bahia, abrangendo as áreas das cidades de Abaré, Chorrochó e Macuré, além de algumas partes de Curaçá, Juazeiro e Rodelas. Porém, o que mais intriga os estudiosos sobre a região é como esse clima se formou, se foi por meio da ação humana no trecho identificado ou se é um processo natural.

O professor e pesquisador colaborador do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (PPGADT), polo UNEB, Marcos Vanderlei Silva, explica que existem dois processos que podem ter ocasionado o surgimento das áreas áridas, a desertização, processo único e exclusivamente natural, ou seja, não existe influência humana; e/ou a desertificação, processo natural, mas que ocorre por consequência da ação do homem.

O professor explica que a região identificada como árida fica situada em uma zona intertropical (uma zona com baixas latitudes) submetida a um clima semiárido que interfere nos níveis pluviométricos. Porém, ele esclarece que, para essa área, os primeiros dados coletados foram nos anos de 1960, 2020 e, mais recentemente, em 2024.

Produção: Cemaden e Inpe.

“O estudo do Inpe e da Cemaden trabalha com um nível de processo vertical de precipitação, de entrada de umidade e evaporação. Então podemos dizer, nos baseando em outros dados e estudos, que foi uma combinação da ação humana com o processo natural do clima na região.”, finaliza Vanderlei. 

Formação do Semiárido Nordestino

O professor e pesquisador do PPGADT, Lucivânio Jatobá, esclarece que a região do Vale do São Francisco já foi um deserto durante a época de resfriamento global, há 20 mil anos. Para ele, a região semiárida no Brasil apresenta um clima muito complexo e que reúne diferentes combinações para sua formação.

“O que nós temos no Nordeste é um semiárido que foge totalmente das condições objetivas que resultam ou que dariam como resposta à sua existência”, completa o professor.

Nos livros didáticos geralmente encontramos que a formação do semiárido está ligada a altitude e relevos da região, como o Planalto da Borborema, localizado nos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, que impediria a penetração do ar úmido do Atlântico para o interior do Nordeste Brasileiro. 

Mas para Jatobá, mesmo com o Planalto da Borborema, a proximidade com o oceano Atlântico resultaria em um clima úmido no interior do Nordeste, mas isso não acontece. Ele acredita que a principal causa do clima semiárido dessa região são as massas de ar provenientes dos desertos do Kalahari e da Namíbia (regiões localizadas no continente africano) que sofrem uma camada de inversão e ao chegar no interior nordestino, pode provocar o clima semiárido ou árido. 

"O ar atmosférico fica em níveis altimétricos baixos, dificultando a formação de chuvas. Quanto mais baixo está essa camada, mais há dificuldades para a formação de chuvas", explica o Jatobá.

Consequências

O clima árido encontrado no centro norte baiano é resultado do aumento da temperatura média na Terra. Esse processo afeta a produção agrícola e a população nessa área, na qual a relação entre precipitação anual e evapotranspiração potencial anual fica desregulada, gerando um déficit hídrico anual. A agricultura e vendas de alimentos diminuem e a vida dos seres humanos e do bioma caatinga sofrem com o período de longa estiagem, apresentando uma base financeira e social desfavorecida.


Produção: Cemaden e Inpe.


Além disso, os problemas socioambientais que são consequências do uso irregular dos recursos naturais influenciam na concentração e aumento dos casos de dengue na região. Eles são provocados não apenas pela falta de cuidado com a água, mas também pelo crescimento desordenado e devastador da urbanidade em áreas com uma utilização ruim do solo.

Soluções e preservação

É possível dizer que o fator que mais prejudica a convivência com o clima do interior nordestino e do semiárido é a utilização da água de forma irregular. O professor e pesquisador do PPGADT, Alexandre Boleira, esclarece que esse processo pode ser retardado por projetos que se baseiam na agroecologia e no uso sustentável do solo e recursos naturais. No entanto, explica que é preciso também mais subsídios e apoio dos estados e do Governo Federal para propostas de recaatingamento e reflorestamento nas áreas mais afetadas.

“A desertificação não é somente um processo natural, é um processo que envolve o ser humano, mas é algo que pode ser retardado”, completa Boleira.


Viveiro de recaatingamento em Curaçá - BA. Foto: Laíse Ribeiro.


Um projeto que trabalha a partir do uso sustentável do bioma caatinga é o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA). Segundo a organização, o recaatingamento é um processo de preservação ambiental que busca contribuir para inverter a desertificação do bioma caatinga a partir do uso sustentável de seus recursos naturais.

É preciso então modificar o uso e consumo da água, além de por em prática o recaatingamento do bioma e das regiões identificadas na pesquisa do Inpe e Cemaden. Para isso, é necessário seguir cinco linhas de atuação propostas pelo IRPAA: conservar a caatinga, recompor a caatinga, oferecer e exercer uma educação ambiental contextualizada, melhorar a renda da população que vive no bioma e mais políticas públicas para a região.

Por João Pedro Tinel, estudante do curso de Jornalismo em Multimeios e colaborador do MultiCiência