PRÓ, AGORA A GENTE SÓ VAI TER AULA PELO CELULAR?

Multiciência 30 julho 2020

Adriana Maria Santos de Almeida Campana
Edilane Carvalho Teles

O texto de hoje tem como objetivo colocar o tema da ‘Educação para a Infância’ no centro das discussões, numa tentativa de diálogo para perpassar por considerações apresentadas anteriormente na Coluna Polifonia, sobre este importante segmento formativo no cotidiano das escolas e famílias. Assim, percorre através de construções realizadas em tempos de pandemia, elencados a seguir, sobre os modos como têm sido propostas as atividades às crianças, além do desafio contínuo da elaboração de práticas pedagógicas diversas, e assim retomar uma caminhada que nos faça pensar sobre o ensino remoto (se e quando possível) para a educação Infantil.  
A primeira investida foi quando escrevemos Pensando a Educação Infantil nos tempos de pandemia, nossas primeiras linhas, dia 27 de abril. De lá para cá a pesquisa foi se embasando, escutando pais, professores, alunos e se consolidando nesse processo. Loris Malaguzzi, em entrevista, trouxe o tema mudanças sociais e como as crianças lidam com as realidades da vida. Disse que as mudanças “[…] determinam o surgimento, tanto em níveis gerais quanto locais, de novos métodos de conteúdos e de novas práticas educacionais, assim como novos problemas e novas perguntas a serem respondidas” (p. 56). Nesses quase três meses fomos observando com mais atenção os detalhes que constroem essa etapa e as novas práticas, sobre as quais algumas perguntas estão sendo respondidas, inclusive para o segmento que contempla a primeira infância.
A princípio, em reflexões elementares abordamos a importância da interação das crianças com seus pares e sua ausência no distanciamento social, ou seja, naquele momento, corroborávamos com a espera para entendermos o que vivenciávamos, inclusive não propondo o ensino remoto como alternativa. Entretanto, o que temos experienciado é que esta interação ‘crianças-tecnologias-professores-escolas’ foi se fortalecendo, ou ganhando formatos a serem discutidos sobre os usos das telas (smartphone, tablets, computadores). Professores ressignificaram suas aulas e vão experimentando cada possibilidade de intercâmbio com seus alunos. Esse movimento de fazer e experimentar na prática é o que percebemos estar pulsando o coração da Educação Infantil. 
Importante ressaltar que nossas reflexões iniciais vieram dos diálogos que alçamos com pais e mães preocupados e inseguros com o novo formato temporário do ensino-aprendizagem no Brasil. Tais percepções estão no texto de 21 de maio, Educação e distanciamento social: O que dizem os pais sobre o ensino remoto? Destacamos duas falas que direcionaram as reflexões:
“Meu filho é do grupo 3, assim, as atividades inicialmente propostas pela escola, a partir de encontros on-line não funcionaram, tendo sido esse relato coletivo, entre as mães de crianças dessa faixa. […] Optei por cancelar a escola este ano” (R5, EI).
Em contraposição à afirmação acima, outra destaca:
“[…] vejo que é importante para a minha filha ver os professores […] é algo que está sendo positivo para a manutenção do vínculo”. (R11, EI)
Estes relatos trazem a disparidade de entendimentos sobre a importância da escola para este grupo, uma vez que, enquanto uns acreditam na insipiência do ensino-aprendizagem, outros pensam na interação e manutenção de um mínimo de ‘normalidade’ com o distanciamento imposto às escolas e a realidade que iniciava a fazer parte de suas rotinas. A observação e a escuta, no momento possibilitaram aprofundar certas compreensões sobre a Educação Infantil nesse período, indo além da interação presencial com seus pares. Tais aspectos são refletidos e sistematizados em parte, para que possamos criar uma memória sobre o que é possível com as alternativas ‘inventadas' sobre outros modos de fazer.

Nos diálogos com os profissionais da educação, ouvimos relatos de atividades que não pensávamos antes do distanciamento e vamos aqui destacá-los e compartilhar. Vislumbrando para além das telas e com ajuda delas, ouvimos experiências incríveis, como, por exemplo, um programa de rádio no formato podcast realizado por três professoras. Transcrevemos um pequeno trecho inicial para dar uma ideia do gênero oral utilizando o celular.


O celular tornou-se ‘indispensável’ para as atividades remotas, visto ser dispositivo/tecnologia mais utilizado por quase todos os responsáveis. Não podemos esquecer que nos referimos a crianças das escolas particulares e públicas, que infelizmente têm acessos diversificados. Nessa amplitude, além do celular pudemos observar o uso de plataformas com aulas ao vivo, aplicativos como Zoom e Google Meet, por exemplo, e vídeos gravados. Mas importante lembrar, e abordaremos isso mais adiante, que o celular e/ou qualquer outro dispositivo como possibilidade para aula remota só terá êxito com professores qualificados, planejamentos e objetivos claros de aprendizagem.

Percebemos, portanto, que a presença de atividades remotas, mesmo que pontuais em alguns casos, facilitaram além da interação, a implementação de rotinas na vida da família, trazendo por vezes, mais segurança e autonomia para as crianças. Tais questões e importância foram abordadas no dia 7 de maio, Por que pensar sobre a rotina das crianças e adolescentes, inclusive com possibilidades de construção de uma rotina individualizada, que tenha a participação da própria criança. Relacionado a este aspecto, obtivemos um relato de uma mãe da Educação Infantil.

Porém, além de aplicativos e modos de como fazer, a diversidade e qualidade das atividades pensadas pelos profissionais para as crianças pequenas são fundamentais. Cada possibilidade propõe uma amplitude de experiências possíveis, mesmo que pessoas que não são da área da educação pensem: ‘só’ estão brincando! Na coluna da semana do Brincar, do dia 28 de maio, refletimos tal importância, onde expomos que o brincar relaciona-se diretamente com as aprendizagens e suas elaborações. 

Outro conteúdo bastante difundido nesse momento e que exige cuidados é a contação de histórias. Encontramos inúmeras experiências apresentadas no youtube e várias professoras contando histórias em suas videoaulas. Na coluna Polifonia do dia 14 de maio nos aproximamos do tema em Leitura e infância: Por que ler para as crianças desde o nascimento? e pontuamos os benefícios da literatura infantil, da contação e da mediação de histórias. Como perguntamos, achamos importante a intencionalidade da leitura ou contação, e ainda que seja para o deleite da criança, deve ter planejamento e objetivos. Importante salientar que o simples fato de ver uma contadora lendo/contando histórias na televisão, dependendo de como o faça e, da escolha do texto literário, pode não haver estímulo à imaginação, transposição para outros lugares ou mesmo reconhecimento de emoções, identidade, cultura e sim um estímulo imagético que as crianças não estão conseguindo compreender, ‘digerir’, deixando-as ansiosas, agitadas e desconcentradas.

Como possibilidade para uma contação podemos trazer o exemplo de uma professora que contou em vídeo a história da Chapeuzinho Vermelho, com palitoches colados, em desenhos que eles já haviam feito em sala, antes do distanciamento e ela havia guardado. O cenário dos palitoches era uma caixa de papelão e os materiais reciclados. Depois da história, ela questionou em um vídeo, dentro da sala de aula dos pequenos:
Como percebemos na atividade acima, a professora possuía uma intencionalidade de diálogo e de conhecimentos com os alunos, a partir da história. Além disso, o fato de relacionar à própria sala, estreita o vínculo que a criança possui com a professora e com sua escola, proporcionando segurança. Outras várias possibilidades podem e devem permear a Educação Infantil envolvendo a literatura. Podemos iniciar com uma motivação, um desafio, uma adivinhação, chamando a atenção para capa, escondendo o título e/ou questionando qual título dariam, lendo o título e pedindo que desenhem a capa, sem terem observado anteriormente, perguntando o que eles acham que acontece na história. Dependendo da obra podemos abordar inúmeros temas. Isso irá depender, mais uma vez, da finalidade dos objetivos de aprendizagem. Podemos, por exemplo, citar um trabalho remoto com o livro Bruna e a galinha d’Angola de Gercilga de Almeida (apesar da indicação do vídeo no link, sugerimos veemente que não substituam o livro pela tela!); mostrar a capa em imagem e contar em áudio vídeo. Isso pode ocorrer durante a semana, trabalhando este livro como leitura geradora. Algumas ideias, a seguir:


  1. Explorar o título (quem vocês acham que é a personagem principal desta história? O que mais vocês estão observando na capa do livro? 
  2. Fazer a contação ou leitura do livro;
  3. Vocês sabem o que é Angola? Pedir que as crianças procurem o que é Angola (o retorno pode ser em áudio);
  4. Dependendo da tecnologia que estiver usando, mostrar o mapa do Brasil para as crianças e o mapa do continente africano e Angola destacada. Reafirmar que a história está falando deste país. Se tiver possibilidade, mostrar fotos, como, por exemplo, uma visita ao Google Maps e ao Google Earth, para iniciar o processo de conhecimento espacial do mundo, imagético em movimento como propõe o último recurso;  
  5. Enviar para as crianças a música África da Palavra Cantada (audio ou Youtube);
  6. Podemos sugerir que as crianças criem um coreografia com a música, gravar no celular realizando com os pais; façam um desenho sobre como imaginam a Angola; fazer uma pesquisa com os pais e buscar fotografias, comparar com o desenho, entre outras possibilidades; 
  7. Alguém sabe como é a galinha d’angola? O que ela tem de diferente? Vamos desenhá-la com o material que vocês quiserem, (também pode sugerir que façam de massinha, inclusive com a receita para fazer com os pais em casa);
  8. Importante salientar que a cada ação que compartilhamos, a presença dos pais é uma constante, as crianças deste segmento precisam de acompanhamento para realizar muitas das atividades propostas. Neste aspecto, os laços e parcerias para o fortalecimento e desenvolvimento da educação estreitam ainda mais, crianças-pais-professores.

Ao longo desse processo de pesquisa sobre o ensino remoto nas escolas, pudemos constatar com as diversas experiências, que também é possível trabalhar com aprendizagens significativas remotamente, com as crianças da Educação Infantil. Sabemos que a pergunta da criança que colocamos no título é um real pedido de calor humano, de abraço na pró, de conversa com os amigos, mas infelizmente, devemos ficar em casa e cuidar uns dos outros. Não podemos esquecer da importante atuação dos pais, que apesar de toda dificuldade, precisam orientar seus filhos, não como professores, mas como pais, que nunca deixarão de ser. 

Nossa luta e reivindicação para que a educação seja um direito para todas as crianças e não de alguns privilegiados com acesso a internet, computadores e celulares, contudo, chamamos a atenção para não deixá-los muito tempo diante dos dispositivos. Para este segmento são necessárias interações com linguagens diversificadas, as pessoas e o mundo (neste momento, a distância) são muito importantes, e a tela do smartphone não é o lugar onde irão acontecer, uma vez que não têm os mesmos significados aos construtos reais, são experiências ‘filtradas’ e nossas crianças precisam e merecem mais que isso. 

Referência: 


EDWARDS, Carolyn; GRANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens das crianças. A abordagem de Reggio Emilia na Educação da Primeira Infância. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1999.


Adriana Campana é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios da Universidade do Estado da Bahia (PPGESA/DCH III/UNEB. Membro do Grupo Polifonia e Vice-Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Contextualizada, Cultura e Território - EDUCERE. E-mail:didacampana@yahoo.com.br





Edilane Teles é Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM – USP); Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências Humanas, Campus III. Coordenadora do Projeto Polifonia e do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente. E-mail: edilaneteles@hotmail.com